Magistral, épico, extraordinário, revolucionário, perfeito.
Existe uma história que Paul Thomas Anderson sempre conta sobre a dificuldade que ele teve de achar um produtor que quisesse financiar esse filme. Ao contar a trama para um produtor, ele recebeu a seguinte resposta: “ Então você quer fazer um filme, de quase três horas, sem nenhuma mulher protagonista, sem nenhum dialogo pelos primeiros 15 minutos, que se passa nos Anos 20 da América? Como diabos isso pode dar certo?” A resposta é simples: fazer o melhor filme dos últimos 25 anos. Fazer um filme que tenha acertado em absolutamente tudo que tentou fazer. Fazer um filme que conte apenas com atuações espetaculares. Fazer um filme com uma cinematografia que é absurdamente faraônica, magistral. Escrever um dos roteiros mais inteligentes, mais revolucionários e mais marcantes de todos os tempos. Escalar um ator que possa imergir tanto no papel que ele vire o protagonista. Dirigir como Paul Thomas Anderson dirige.
O filme apresenta a história de Daniel Plainview (interpretado por Daniel Day-Lewis na melhor performance que eu já vi em toda a minha vida. Jamais vi ninguém se tornar, de maneira tão convincente, um personagem da forma como Day-Lewis fez. O personagem que ele criou é inesquecível. Ele obviamente ganhou o Oscar de Melhor Ator e mais tarde e tornaria o único homem a receber três Oscar de Melhor Ator na história) , um petroleiro que tem uma obsessão por fazer fortuna, por ser superior, por derrotar e aniquilar todo e qualquer oponente que exista na sua frente, arrasando pessoas com uma brutalidade tão chocante, tão incrível que só sobrará ele. Ele será o rei, o mandachuva do mundo, o herói que criado e glorificado pelo capitalismo. Daniel viaja com seu filho H.W Planeview para locais onde ele procurara petróleo e assim que esse for achado, ele irá manipular o povo da cidade para convence-los de permitir que ele explore aquele petróleo (uma curiosidade sobre o filme é que Daniel Day-Lewis improvisou seu excepcional discurso no início do filme, quando Planeview tenta convencer o povo de uma cidadezinha a deixa-lo explorar o petróleo deles. Paul Thomas Anderson descreveu o discurso como “Daniel Planeview falaria algo assim sem dúvida alguma. Foi perfeito”. Isso é mais uma mostra de como Day-Lewis capturou perfeitamente o personagem que Paul Thomas Anderson escreveu, sendo capaz de inventar discursos que o diretor poderia escrever para o personagem). De tanto procurar, Daniel ouve que há um lugar onde há muito petróleo e então segue para tal local. Daniel acha o petróleo e o povo da cidade aceita sua oferta. O único problema que Daniel encontra é uma espécie de resistência de um padre, Eli Sunday (esqueça qualquer preconceito que você pode ter com o ator Paul Dano. Ele teve quatro dias para se preparar para esse papel porque o ator que originalmente faria desistiu da filmagem pois, supostamente, estava muito intimidado pelo fato de ter que atuar ao lado de Daniel Day-Lewis e então Paul Dano teve que tomar seu lugar. A performance dele é sensacional. Ele contrasta bem com Daniel Day-Lewis e a química negativa entre os dois é muito verossímil) , que é o dono da Igreja da Terceira Revelação. A partir desse momento, conflitos e situações extraordinárias surgem no filme e seria terrivelmente grosseiro da minha parte revelar qualquer espécie de detalhe.
Seria lamentável descrever Sangue Negro como um filme sobre capitalismo. Ou sobre religião. Ou sobre família. Ou sobre petróleo. Ou sobre loucura. Ou sobre as consequências do sucesso. Ou sobre as relações conflituosas de ricos e pobres. Sangue Negro é um filme que não pode ser descrito com UM adjetivo. É filme sobre tudo acima e muito mais. É um filme que entrega sua mensagem com um impacto e intensidade jamais antes visto. As duas horas e 38 minutos passam rápido. O filme pode e deve ser assistido mais de uma vez. Existem centenas de interpretações que podem ser feitas sobre o filme. Não revelo a minha aqui porque verdadeiramente desejo que todos tenham uma experiência única ao ver esse filme e garanto que todos terão. Entrar no filme com uma ideia fixa sobre seu texto e contexto seria desleal a sua magnitude. Assista e viva seja lá o que tiver que viver ao conferir essa obra de arte.
Tecnicamente, o filme é simplesmente brilhante. Brilhante. A musica encaixa-se perfeitamente na atmosfera do filme, a cinematografia captura cenas com perfeição (especialmente a cena em que Daniel observa o fruto de seu trabalho, concretizado na vista do petróleo “voando”). Daniel Day-Lewis teve um ano para se preparar para o papel e o resultado é perfeitamente visível e assustadoramente real. Day-Lewis se transforma em Planeview e nós ficamos agradecidos por ter a oportunidade de ver isso. O ápice da performance (e do filme) é o final. O final desse filme é um dos melhores finais que já vi. A maneira perfeita de concluir a história. Não consigo imaginar outra.
A direção de Paul Thomas Anderson é espetacular. Ele conduz cenas de forma magistral, escolhendo perfeitamente ângulos e close-ups quando esses são necessários (a cena do batismo é uma cena que só funciona da maneira impactante como é por causa da direção de Anderson. O fato de ele manter a câmera em Day-Lewis e permitir que o leitor imagine o que ocorre a volta baseado nas reações, emoções e expressões de Day-Lewis eh algo inovador e incrível. Isso acontece algumas vezes no filme e essas são sempre dramáticas e potentes). Anderson sabe quando deve ser minimalista e quando tem que permitir que a espetacular cinematografia receba o credito que merece. Ao filmar em um cenário tão impressionante, é evidente que ele teria muitas oportunidades para fazer exatamente isso.
O roteiro que Anderson escreveu (baseado no livro Oil de Upton Sinclair) é sensacional. Cenas em que o protagonista dialoga com Eli Sunday mostram o talento magnífico que Anderson tem para escrever. Em nenhum momento Anderson recorre a clichês ou a coisas que soam repetidas em nosso ouvido. Tudo é original, inesperado e admirável nesse fenomenal filme.
Não consigo imaginar uma pessoa que não consiga aproveitar esse filme.
Nota: 10/10