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    Undone: Crítica da 1ª temporada

    Estrelada por Rosa Salazar, a nova animação do criador de BoJack Horseman é algo que você deveria estar vendo.

    Nota 4,5/5,0

    Existem duas séries dentro de Undone. Ambas surgem a partir da mesma premissa: Alma (Rosa Salazar) sofre um acidente de carro, no meio de uma crise existencial, e acorda de um coma, só para descobrir que tem a capacidade de controlar as barreiras do tempo. Para completar, ela tem a chance de conversar com o pai morto, Jacob (Bob Odenkirk), solucionar seu assassinato e até impedi-lo de acontecer no passado.

    A primeira jornada que o público conhece é a visão superficial, ou seja, acompanhar como Alma aprende a controlar essas habilidades, ao mesmo tempo que se desenrola o mistério ao redor da morte de Jacob. Tudo isso abrilhantado pelo uso impecável das ferramentas da animação, para explorar as viagens interdimensionais da protagonista, ultrapassando realidades e até diferentes formas de si mesma. Tal viagem já é legal por si só, mas a obra criada por Raphael Bob-Waksberg (BoJack Horseman) e Kate Purdy ainda embarca numa segunda questão: a jovem tem poderes ou isso é algo somente criado por sua mente?

    É a partir do momento que isso começa a ganhar protagonismo que Undone se torna algo ainda mais surpreendente. Seja qual for sua opinião em tal dúvida (e acredite quando a série te traz argumentos sólidos para comprar ambos os lados), a caminhada não é menos importante. A dor de Alma é real, e o poder da série ao abordar suas consequências emocionais e mentais. De qualquer forma, a história se torna uma analogia sobre como superar trauma, seja o acidente brutal que sofreu ou a morte do pai — cuja constante ausência prejudica sua forma de viver.

    Alma tem medo de se envolver demais com o namorado Sam (Siddharth Dhananjay), apesar de ter um bom relacionamento com ele; vive criticando as escolhas de sua irmã Becca (Angelique Cabral), que busca uma situação mais estável; e está em constante conflito com a mãe religiosa e controladora Camila (Constance Marie). Sem falar na rotina simplória abraçando uma constante lembrança de como vida pode ser algo doloroso demais. Essa questão não é a única presente na metáfora lindamente construída por Bob-Waksberg e Purdy. Ao longo dos episódios, Alma e Jacob se reconectam, ao mesmo tempo que questionam se vale a pena se tornar tão vulnerável em amar alguém, paradoxalmente. A vantagem de Undone é ensinar a ver como enxergar o belo no ordinário e tomar as rédeas de sua própria vida.  

    Por outro lado, Undone também pode ser interpretada como uma peça sobre saúde mental, como lidar com depressão e/ou esquizofrenia, observando como alguém é capaz de se enjaular numa concepção própria da realidade. A caminhada não soluciona apenas o que aconteceu com Jacob, mas também pode ser traduzido como o aprender a abrir mão desse suposto controle equivocado, abraçar quem realmente é; e aceitar ajuda daqueles que ama. Mesmo que machuque, ou mesmo que tenha medo de perder sua identidade e/ou mente diante dos percalços da vida. Novamente, o medo de ser vulnerável surge, só que contra si mesmo, dessa vez.

    A temporada inteira carrega entre as duas teorias (poderes ou doença?) mas não perde seu ritmo ou estilo, por conta disso. Pelo contrário, a dualidade apenas enriquece a trama, contada em sagazes oito episódios de 20 minutos cada. Seu único defeito é ser, por vezes, conveniente demais para avançar o roteiro, mas nada que afete seu resultado final. O equilíbrio tênue entre essas duas realidades constrói uma aventura dinâmica e profunda, onde acompanhamos o amadurecimento de Alma, finalmente disposta a enfrentar as dores de sua vida e se valorizar como ser humano. E, justamente, por manter a dúvida ao longo de toda a série, Undone nunca escolhe o caminho mais fácil, tornando seu proveito ainda melhor.

    A primeira vista, o uso da animação parece ser uma escolha óbvia, para economizar custos numa história que lida com viagens no tempo. Mas Undone também não opta pelo caminho mais fácil em sua composição. Além do desenho, o projeto utiliza rotoscópio, captura de movimentos e cenários pintados a mão. Esse resultado cria algo singular, onde existe um universo excêntrico visualmente, sendo distinguível entre outras produções do gênero, ao brincar com as reviravoltas do roteiro, de maneira criativa. Mas ainda permite retratar expressões reais do elenco — com grande destaque para Rosa Salazar, já praticamente experiente em atuar com tecnologia, após Alita: Anjo de Combate

    Tal capacidade de realçar os talentos de seus atores permite que Undone se torne uma jornada ainda mais emocional do que promete em seus primeiros episódios. Se a jornada de fantasia é interessante, ela realmente ganha expectativas e significâncias quando o público está investido nos personagens. É fácil se identificar com Alma, ao mesmo tempo que reconhecemos seus defeitos, e sofremos com os problemas nos seus relacionamentos. Dentre todo o elenco, é o destaque para o elo entre Alma e Becca que se torna central em tal experiência. É ali que estão representados os medos e as dores do dia a dia, mas as irmãs também defendem o amor necessário para nos fazer seguir em frente. Isso se torna algo essencial no episódio final, que encerra a história de forma inventiva e impactante, como uma cereja no bolo.

    O último capítulo de Undone deixa espaço aberto para uma segunda temporada, mas não precisa. E isso é um elogio. Pois aquilo que o espectador irá apreender de tal episódio será um resultado emocional da jornada individual de cada um de nós, ao mesmo tempo que consegue fechar tudo coletivamente. Não é qualquer série que consegue fazer isso. Então, da próxima vez que você estiver buscando uma pérola no meio do catálogo da Amazon, essa animação é a escolha certa.

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