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    Saint Seya - Os Cavaleiros do Zodíaco: Crítica da 1ª temporada

    Ocidentalização do cosmo.

    NOTA: 2,5/5,0

    "Tudo fará sentido no final". De todos os momentos e diálogos minimamente capazes de sintetizar os seis episódios da primeira temporada de Saint Seya: Os Cavaleiros do Zodíaco, a dramática frase de efeito proferida por Marin ao protagonista ainda no início da trama talvez seja a mais significativa. Mas, para explicar a aplicação implícita por trás do momento, é preciso retroceder um pouco.

    Se você faz parte da geração que cresceu assistindo a desenhos animados japoneses na TV, na década de 90, certamente irá se familiarizar com este cenário: é uma tarde chuvosa de domingo, Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu HakushoSailor Moon e Super Campeões estão prestes a ser exibidos na — hoje extinta — TV Manchete, e tudo já está preparado para o que promete ser uma maratona inesquecível. Você não sabe disso ainda, mas esta seria apenas a abertura de um terreno extremamente lucrativo e influente dentre os espectadores brasileiros.

    Pulando algumas décadas e avançando para os dias atuais, a Netflix, maior serviço de streaming do momento, lança uma reimaginação ocidental do clássico mangá criado em 1985 e adaptado apenas um ano depois para um aclamado anime. Toda esta contextualização parece um tanto aleatória neste momento, mas... tudo fará sentido no final. Para começar a falar da nova versão de Cavaleiros do Zodíaco, é preciso compreender que a maior aposta de sua narrativa é, justamente, tentar obter algum tipo de aprovação, ou autorização, dos fãs da série clássica. 

    Netflix

    Por mais que tentemos ao máximo fugir do efeito comparativo, não pensar na fonte primária da animação norte-americana torna-se cada vez mais difícil diante da clara insistência dos criadores desta nova perspectiva em tentar dizer ao público: "nós assistimos ao original". No entanto, Cavaleiros do Zodíaco parece permanecer eternamente em cima do muro, entre transformar todos os traços orientais da história original em arquétipos muito mais palpáveis ao público ocidental, e tentar referenciar os pontos mais marcantes do primeiro anime. Apesar de constantemente prejudicial, a dualidade ajuda a produção em alguns momentos. 

    Para falar sobre o que funciona, a abertura e o encerramento dos episódios são alguns dos pontos mais divertidos. Mesmo em inglês, a clássica "Pegasus Fantasy" — aqui interpretada pela banda The Struts — consegue nos transportar com louvor ao esperado clima de adrenalina e fantasia, enquanto cada episódio é finalizado com o tom melancólico e psicodélico ideal de "Somebody New", dos mesmos intérpretes. Ponto positivo! 

    Provavelmente, o que mais sofre com a tentativa de "americanizar" a trama o máximo possível é o desenvolvimento das narrativas. Tudo é muito mais corrido do que deveria, a passagem de tempo muitas vezes é confusa e detalhes que deveriam ser importantes são ignorados. Nos dez minutos iniciais da série, por exemplo, Seiya vai de um garoto perdido e confuso para um rapaz treinado, pronto para derrotar qualquer um que aparecer em seu caminho. Não há muito contexto do que aconteceu no meio tempo, e precisamos depender de diálogos completamente expositivos que servem apenas para tapar os buracos.

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    Outro ponto que chega a incomodar um pouco é a inserção exacerbada de grandes explosões, como uma espécie de tentativa de transformar o enredo em um tipo de blockbuster padrão. Os quatro cavaleiros principais se unem para derrotar helicópteros, tanques de guerra, soldados armados, mísseis... segue por aí. Mas existe uma justificativa plausível para que tudo isso esteja acontecendo, e aqui, ganha-se pontos na mudança, por trazer heróis e vilões mais críveis e menos caricatos. 

    Porém, de todas as questões positivas levantadas, o carisma dos cavaleiros principais talvez seja uma das mais interessantes. Caso o espectador possua receio da falta de exploração dos traços de personalidade de Seiya, Shiryu, Hyoga e Shaun (falaremos mais sobre esta última em breve), não há muitos motivos para preocupação. Os momentos mais divertidos e emocionantes do enredo acontecem através das interações entre eles. Até mesmo as histórias de suas origens, brevemente exploradas, conseguem encantar.

    Destacando um ponto divisor de águas, chegamos até a técnica de animação 3D. Apesar de fazer sentido para o novo tipo de perspectiva que a Netflix deseja empregar, pode-se levantar a interessante inventividade e a infantilização não tão bem-vinda assim. Os golpes clássicos dos guerreiros de Pégasus, Dragão, Andrômeda e Cisne foram muito bem aproveitados nos novos traços, embora as feições e cenas de ação no geral tenham perdido parte de seu charme. Não há sensação de perigo ou urgência quando algum personagem está a beira da morte, já que a nova técnica da Toei Animation não é capaz de imprimir o grau certeiro de seriedade. Perde-se aqui, ganha-se lá.

    Voltando rapidamente na análise dos personagens, é importante salientar a importância da mudança do sexo de Shun (agora, Shaun) de Andrômeda. Justificada pelo roteirista Eugene Son como uma oportunidade de falar mais sobre o poder das mulheres nesta nova versão, a intenção não parece ter sido muito bem cumprida. Shun sempre foi um homem poderoso, com traços femininos e delicados, e personalidade dócil, servindo como afirmativa de que não há problemas nisso, contrariando certos estereótipos da época. Aqui, ele transforma-se em uma mulher que tem sua primeira fala apenas no quarto episódio, recebendo um destaque ligeiramente menor que os outros Cavaleiros. Partindo da argumentativa de Eugene, faria muito mais sentido dar um dos destaques principais a uma mulher já presente na história, ou talvez até mesmo criar uma personagem nova, do zero — o que não seria novidade na nova série.

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    Conforme prometido, chegamos, enfim, ao ponto onde "tudo faz sentido no final". Toda a condução da história de Cavaleiros do Zodíaco é um tanto autoexplicativa, o que acaba soando meio condescendente em diversos momentos. Não há espaço para nenhum ponto interprativo, exceto aquilo que não recebe nenhuma atenção. Em suma, ou os eventos são completamente explicados, ou eles são simplesmente esquecidos. No fim das contas, ao se dividir entre replicar a sensação de nostalgia e transformar os fios que conduzem a trama em estereótipos ocidentais, Cavaleiros do Zodíaco só acerta quando se permite ousar de verdade nas mudanças: justamente o que precisamos para futuras temporadas.

    Pensando melhor, nem tudo faz sentido no final.

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