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    Cara Gente Branca segue como um retrato sarcástico e poderoso da nossa sociedade (Crítica da 2ª tempoada)

    Inspirada no filme homônimo, a comédia dramática de Justin Simien traz mais críticas de qualidade para a Netflix.

    Netflix

    Nota: 4,0 / 5,0

    A expressão "tesouro escondido na Netflix" pode, facilmente, definir Cara Gente Branca. Lançada ano passado, a adaptação do filme homônimo de 2014 não teve grande divulgação, nem apresenta nomes mundialmente famosos em seu elenco para atrair a atenção do público. Porém, conseguiu construir uma sólida base de admiradores, graças ao famoso 'boca a boca' (e aquele 100% de aprovação no Rotten Tomatoes também ajudou). Agora, o criador Justin Simien enfrenta a difícil tarefa de manter o brilhantismo do show em sua segunda temporada.

    Para isso, não há tempo a perder: a série retoma poucas semanas após os acontecimentos da última finale. A rotina da Armstrong-Parker House mudou completamente com a adição de alunos brancos em seus dormitórios e o fracasso do protesto líderado por Samantha (Logan Browning). Se isso já não fosse o suficiente para abalar sua confiança, a radialista está sendo atormentada por haters online e sofre pelo fim do relacionamento com Gabe (John Patrick Amedori). Seguindo o estilo dos episódios originais, quase todos os personagens do elenco principal ganham espaço de protagonista em diferentes episódios, interconectando as diferentes narrativas entre eles - mas ainda seguindo a história para frente, de maneira criativa.

    O que torna essa comédia dramática tão cativante é seu equilibro entre carga emocional, visão sarcástica e incrível crítica política. O racismo segue com papel crucial em Dear White People, porém é somente o pontapé inicial para discutir várias questões problemáticas. Reggie (Marque Richardson) vive as consequências de ser vítima da brutalidade policial. Lionel (DeRon Horton) embarca numa jornada de descoberta sexual. Samantha mostra como o crime online e o "haterismo" das redes sociais pode influênciar a vida real.  Por sua vez, o debate sobre racismo ganha novas propoções ao analisar como a mídia (e o sistema opressor) pode se apropriar desse tema, usando a liberdade de expressão como desculpa para promover o ódio. Tal questão fica explicita através de duas participações muito especiais, que não vamos revelar aqui para manter a surpresa, mas 'entendedores' vão captar a referência.

    Netflix

    Os capítulos de Lionel, Troy (Brandon P Bell) e Reggie até tem momentos bacanas, mas a história realmente atinge seu auge quando as personagens femininas assumem o foco da narrativa. Para começar, fica aqui desde já o agradecimento pelo destaque cedido para Joelle (Ashley Blaine Featherson), responsável por algumas das melhores frases do show. E se Samantha parece ficar meio sumida depois do primeiro episódio, ela ganha grandes momentos na reta final, mostrando porque Logan é a grande revelação do elenco, sabendo aproveitar o pesado material em suas mãos.

    Porém, quem ganha o melhor episódio da temporada é Coco (Antoinette Robertson). Desde o início, tal personagem chamou atenção ao descontruir aquela imagem de antagonista patricinha revelada nos primeiros capítulos, abrindo espaço para apresentar uma personagem complexa, vulnerável e poderosa. Nos 30 minutos comandados por Kimberly Peirce (Meninos Não Choram), ela se encontra num arco impactante, refletindo sobre a ambição das mulheres em busca de seu futuro - focando nas dificuldades e nos sacríficios que podem surgir em seu caminho. 

    Responsável por comandar 4 dos 10 novos episódios, Simian também merece crédito por comandar uma das melhores sequências do ano (até agora), envolvendo uma discussão emocionante e política entre dois personagens, mudando de cenários e ângulos de câmera, sem nenhum corte aparente, no oitavo capítulo. Também é bacana ver como a segunda temporada também encontra oportunidades para aprofundar personagens coadjuvantes como Kalsey (Nia Jervier) e o reitor Fairbanks (Obba Babatundé). Por fim, se você curtiu a sátira envolvendo Scandal na primeira temporada, ficará satisfeito ao saber que outras paródias estão garantidas - gancho para uma bela participação de Lena Waithe (vencedora do Emmy por Master of None).

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    Com uma segunda temporada caprichada, a crítica social de Cara Gente Branca encontra um caminho mais obscuro, refletindo como séculos de opressão ainda mantém marcas em nossa sociedade atual. Tal legado "maldito" é representado (de forma meio fraca) numa espécie de caça ao tesouro liderada por Lionel, mas o show reencontra seu lado cativante ao focar nas vulnerabilidades de seus protagonistas. Não é a toa que o estilo de Simien insiste na quebra da quarta parede, com os personagens encarando a câmera em momentos significativos para a trama. O que acontece no campus daquela faculdade reflete a confusão que encontramos todos os dias. Não é somente a história daqueles universitários. É a sua história também. Enfrentar sentimentos de ódio e presenciar uma falta de diálogo que ameaça a liberdade conquistada em pleno século XXI.

    Em deteminada cena, Sam lamenta e define o mundo atual de uma forma bem direta (e meio assustadora): "Lógica, razão, discurso. Isso é coisa do passado agora." É esse tipo de comentário que torna Cara Gente Branca tão revelante. E, por isso, mal podemos esperar pela terceira temporada...

     

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