Injustiçado, corrupto, pai de família, cidadão de bem, político, ladrão, traficante, presidiário, homem falido.
Em apenas 16 episódios, Cadu (o camaleônico Júlio Andrade, indicado ao Emmy por sua aclamada interpretação) precisou vestir a carapuça de todas as identidades supracitadas para sobreviver da melhor forma possível às provações que muitos outros personagens da ficção levariam anos para enfrentar. Mas assim é 1 Contra Todos: tal qual seu protagonista, uma série de inúmeros adjetivos. E na terceira temporada, não será diferente: em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) e os atores Julia Ianina e Roberto Birindelli elegeram "intensa" e "surpreendente" como as qualidades que melhor definem esta nova leva de capítulos do maior sucesso brasileiro da FOX.
ESSÊNCIA E RUPTURA
Duas temporadas de sucesso - a estreia de 1 Contra Todos só perdeu em termos de audiência dentro da emissora no Brasil para The Walking Dead, um dos seriados mais populares e vistos de todos os tempos - elevaram o nível do jogo, como destacou o produtor Zico Góes sobre a tarefa que os roteiristas e diretores do drama policial encontraram no momento da escrita da terceira temporada. No entanto, para dar prosseguimeto à trajetória de êxitos, é paradoxalmente necessário se distanciar um pouco de tudo aquilo que trouxe críticas positivas - sem inovação, nem mesmo uma essência vitoriosa pode sustentar o melhor dos seriados no competitivo mercado atual da televisão. Portanto, Silveira e sua equipe de escritores precisaram encontrar, após inúmeros desafios, a rota correta para equilibrar os trunfos passados com as inéditas ideias que balizam a terceira temporada:
"Quando a gente começa cada temporada, parece completamente impossível. De verdade. Não se trata só de acontecimentos, de 'porrada e bomba'. A gente precisa desse conflito humano, que na verdade é o meu interesse em qualquer trabalho. Qualquer filme e série que faço, gosto do conflito humano. Sinceramente, nem esperava fazer um projeto policial porque o que me interessa é emocionar. Gosto dessa emoção de prender o espectador. Acho que a emoção é mais forte do que qualquer trama, do que qualquer acontecimento bombástico, do que qualquer coisa. A minha essência, seja em 2 Filhos de Francisco, Gonzaga - De Pai Para Filho, em Entre Irmãs ou nesse projeto, é sempre o drama. Enquanto conseguirmos colocar o drama, existe a série. Agora, reinventar os dramas é a coisa mais difícil do mundo. É desesperador", contou Silveira.
Birindelli, por sua vez, arrematou: "E também trazer aspectos novos para o mesmo drama. Parece que você conhece um lado novo a cada temporada. A série tem uma curva dramática única, mas ao mesmo tempo cada temporada tem o seu arco... No início, era sobre quem era o Doutor. Depois, passou a ser sobre Brasília. Agora, é o Pepe que tem uma grande curva dramática".
Aliás, a ruptura com o núcleo dramático anterior também vai se manifestar na tensa separação ente Cadu (Andrade) e Malu (Ianina), casal de protagonistas que formava o cerne dramático do seriado. Mas uma vez que o deputado Cadu é obrigado a aceitar uma missão impossível - infiltrar-se, como agente secreto da Polícia Federal, no cartel de Pepe, na Bolívia -, a família será praticamente desintegrada de vez. Na visão de Ianina, a mudança territorial do personagem também alterará, de certa forma, o centro gravitacional de 1 Contra Todos:
"Sempre gosto de dizer que essa série é sobre a história de uma família. No fundo, o que mantém o Cadu vivo na cadeia é a família. E também o que o mantém um pouco lúcido em Brasília é a família. Mas agora, essas histórias serão paralelas. Ele ainda está ligado fortemente à família porque tudo o que ele faz é pelos filhos e para protegê-los, mas ele vai para a Bolívia e vive uma história lá. E a Malu, enquanto isso, vive a história dela, a realidade dela com o filho preso [Téo é encarcerado após ser detido por posse ilegal de um carregamento de maconha que pertencia ao pai, ainda na segunda temporada], também sozinha. São situações surreais invadindo a vida dessas pessoas tão simples, tão normais e agora a gente vai ver essas pessoas em situações muito surpreendentes, fazendo de tudo para sobreviver, para conseguir passar por esses desafios".
VIRADAS DE PERSONAGENS
Com metade da série ambientada em Santa Cruz de la Sierra e a outra porção ainda situada em Brasília, o choque tectônico do câmbio de locações também produz, evidentemente, uma nova curva dramática para cada personagem, uma nova faceta ainda não explorada anteriormente - ou como anotou o próprio Birindelli, cada inédita temporada de 1 Contra Todos "parece uma estreia, mas não é":
"Nessa temporada, o Pepe é mais forte do que nas outras. De certa forma, ele é o grande antagonista e, ao mesmo tempo, é o grande pai do Cadu. Então, essa dicotomia entre amar e odiar o Pepe está muito forte nessa temporada. Isso é louco, vai deixar o Cadu completamente esquizofrênico [...] É muito bacana fazer essas viradas nos personagens. Nunca vimos esse lado do Pepe e o Birindelli está interpretando isso de uma forma extremamente emocional, bonita, crível... É muito difícil transformar um psicopata e um grande inimigo em um cara doce, que pode ser um pai. Era essa nossa intenção", sacramentou Silveira, que atua como showrunner de 1 Contra Todos desde o início da série.
Para Ianina, no entanto, as situações podem ser diferentes, mas o que sustenta sua personagem e a dos seus colegas de elenco não muda - apenas evolui, mesmo no caso do camaleônico Cadu: "Sempre digo que o mais legal de fazer uma série é isso: é como se você vivesse bastante tempo com uma pessoa. Às vezes, chego no set e digo 'Não, a Malu não falaria isso, ela não faria desse jeito, ela não pensa desse jeito' porque já estou muito dentro da maneira de pensar dela [...] O Cadu veste esses personagens, mas sempre veste esses personagens por algum motivo, sempre existe um Cadu ali dentro que tenta se manter ético, correto. E sinto que a Malu está nessa retaguarda. Ela é a voz que diz 'Esse é o caminho certo, esse não é o caminho certo'. E agora eles se separam. Então, essa relação onde ela era a pessoa que sempre dizia o que era certo... Ela também se veste de mulher de traficante e vai falar com o delegado para proteger o marido. Mas agora ela terá que tomar a frente nas questões dela. E o Cadu vai ter que tomar as decisões dele sem ter esse respaldo da Malu. Então vai ser interessante ver como os dois vão se comportar agora".
UNIVERSALIDADE
A transição da trama para a Bolívia não foi motivada apenas por razões narrativas. Ainda que os motivos diegéticos tenham falado mais alto, levar 1 Contra Todos para o vizinho sul-americano também foi uma consequencia da ótima recepção do seriado na América Latina como um todo. E assim, o que antes parecia ser uma série exclusivamente brasileira - por tratar da complexa questão prisional do país na primeira temporada e da corrupção sistêmica que assola a nação na segunda -, tornou-se um produto universal - uma adaptação mexicana, inclusive, já se encontra em desenvolvimento:
"Isso era uma coisa que eu achava [que a série refletia apenas o contexto brasileiro]. Mas quando eu vi esse retorno do México, de que a série também reflete a realidade deles... Ou seja, algumas realidades da América Latina batem muito com a nossa. Os problemas de corrupção, de tráfico, de influência política errada... De tudo, de tudo. Fora isso, os dramas humanos são universais [...] É lindo, é lindo. Eu fiquei impressionado. A série funciona para a gente e funciona para o mundo também", disse Silveira.
FINAL FELIZ?
Muito embora tenha sido sempre ambientada no Brasil e tenha se debruçado majoritariamente sobre problemáticas tupiniquins, a agora internacional 1 Contra Todos sempre ecoou certos detalhes das tragédias gregas - Cadu, afinal, por mais que tente fazer o certo e salvar sua família dos erros que cometeu, sempre é sugado de volta para o fundo do poço pelo turbilhão do destino. Por sua vez, a série está acostumada a surpreender seu espectador - capacidade esta que também faz com que a própria Ianina se perca nas previsões quanto à possibilidade de um final feliz para Cadu, Malu e a família:
"Eu não faço a menor ideia. A cada temporada chega um novo pacote de roteiros e eu fico sem acreditar no que acontecerá. O que é mais legal é isso: as coisas fazem sentido. Os personagens não perdem as essências deles. Essa terceira temporada foi uma temporada muito difícil e pela toada do que trazem os roteiros, as coisas vão ficando mais intensas, mais difíceis e mais definitivas. No final da segunda temporada o fato de que os dois se separam é algo muito forte para eles dois. Agora, o que vai acontecer depois eu sinceramente não sei. Às vezes acho que pode ser um final feliz, às vezes não acredito nisso. Olho as coisas do ponto de vista da Malu. As pessoas me dizem que o Cadu e a Malu têm que voltar a ficar juntos. E eu digo: 'Será, gente?' Não sei se acredito nisso. Mas não sei de nada", finalizou a atriz.
Coestrelada por Julia Konrad e Roberto Bomtempo, a terceira temporada de 1 Contra Todos estreia amanhã, dia 23 de abril, às 22h30 no canal FOX e no FOX Premium 2.