No início de novembro, com a estreia da nova novela das 18h, a Globo alcançará um marco inédito: pela primeira vez, todas as principais faixas de novelas serão protagonizadas por mulheres negras! Essa conquista representa uma vitória histórica na luta por representatividade e diversidade nas telenovelas brasileiras, onde, por décadas, atores e atrizes negros foram relegados a papéis secundários, estereotipados ou até invisíveis. Agora, nas tramas globais, o protagonismo será negro, feminino e repleto de significado!
Duda Santos - Garota do Momento
A partir do dia 4 de novembro, a atriz Duda Santos vai brilhar na novela Garota do Momento. A trama, ambientada no final dos anos 1950, retrata o "otimismo" da época e a ascensão da publicidade. Duda interpretará Beatriz, uma jovem que se torna garota-propaganda de uma das maiores fábricas de sabonete do país. Mas, além da carreira, ela luta para reconciliar-se com o passado e encontrar sua mãe no Rio de Janeiro.
É uma história sobre busca, empoderamento e descoberta, em que a personagem enfrenta não só os desafios da época, mas também o machismo e o preconceito presentes no cotidiano. “Poder fazer uma novela de época com tanto significado, que permite que as pessoas pretas sonhem, é muito legal. E eu sempre quis fazer um romance como esse, lindo e leve. Estou com uma expectativa bem alta, eu e minha mãe", expressou Santos ao Gshow.
Jéssica Ellen - Volta Por Cima
No horário das 19h, Jéssica Ellen protagoniza Volta Por Cima. Sua personagem, Madalena (Madá), é uma jovem batalhadora que busca melhorar de vida, inspirada pelo exemplo de seu pai, Lindomar, vivido por MV Bill. A novela traz uma história de superação e dignidade, mostrando o cotidiano de uma família negra que, com muito esforço, busca seu espaço em uma sociedade ainda marcada por profundas desigualdades.
Mesmo tendo mais de uma década de carreira na TV Globo, essa é a primeira vez que a atriz interpreta uma protagonista. "Demorou um pouco, sim. Mas que bom que isso tem mudado. Vejo a Gabz, a Duda Santos, com menos tempo de carreira e que já estão protagonizando trabalhos. Isso me deixa feliz por essa nova geração. Por outro lado foi bom pra mim que pude amadurecer como pessoa e profissional", avaliou também ao Gshow.
Gabz - Mania de Você
Já no horário nobre, às 21h, Mania de Você apresenta Gabz no papel de Viola, uma personagem complexa e determinada. Abandonada pela mãe ao nascer e criada em uma comunidade no Rio de Janeiro, ela enfrenta adversidades com coragem. Ao longo dos capítulos, ela se torna uma chef renomada e bem de vida, lidando com desafios de relacionamentos com a antiga melhor amiga, uma paixão avassaladora e um ex-namorado obcecado.
"Fui uma criança e uma adolescente que vivi em espaços muito brancos, então sofri muito com o racismo e tive que construir essa autoestima a partir de outras perspectivas que não só a aparência. Porque o mundo vai continuar tendo a branquitude como grande padrão, então preciso reconhecer coisas a mais", confessou a atriz, bastante elogiada por sua performance no folhetim, à UOL.
O longo e árduo caminho para esse marco
Para entender a importância deste momento, é fundamental reconhecer o árduo caminho que o antecedeu. A primeira protagonista negra em uma telenovela brasileira foi Yolanda Braga, em A Cor da Sua Pele (1965), da TV Tupi – um marco quase esquecido pela história, mas de extrema relevância.
Quatro anos depois, Ruth de Souza, uma das maiores atrizes do país, enfrentou barreiras inimagináveis, inclusive no racista ambiente de A Cabana do Pai Tomás (1969), onde o protagonista foi interpretado por um ator branco fazendo blackface. Ruth, que deveria ter sido a protagonista, acabou relegada a um papel secundário, ainda que sua presença fosse essencial para a trama. Um grande absurdo!
8 produções brasileiras com muito protagonismo negro para assistir na NetflixEntre 1984 e 1985, durante a transição do governo Figueiredo para o de José Sarney, Corpo a Corpo foi exibida pela TV Globo, trazendo um enredo com o casal inter-racial Sônia (Zezé Motta) e Cláudio (Marcos Paulo). Na história, Zezé interpretava uma arquiteta que trabalhava com a projeção de jardins e se apaixonava perdidamente por um rapaz branco. O pai de Cláudio, Alfredo (Hugo Carvana), não aceitava o relacionamento devido ao seu preconceito racial.
Apesar da importância e das discussões que o enredo levantou na época, algumas cenas problemáticas se destacaram e trouxeram bastante incômodo. Em uma delas, Alfredo afirmava que, embora a personagem de Zezé fosse "de cor", ela tinha "alma branca e pura". Em outros momentos, casos explícitos de racismo eram colocados na tela.
"[Gilberto Braga] me escalou para um papel de destaque em Corpo a Corpo que foi a 1ª novela do horário nobre a ter uma preta com família, profissão, namorado. Causou o maior 'tititi' o romance da minha personagem com o Marcos Paulo", ressaltou Motta em uma entrevista ao Estadão anos depois.
Décadas se passaram até que outra mulher negra, Taís Araújo, voltasse a protagonizar uma novela, com Xica da Silva (1996) – personagem anteriormente interpretada por Zezé Motta no cinema –, na extinta TV Manchete, e mais tarde com Da Cor do Pecado (2004), na Globo, como Preta, uma personagem que lidava com o racismo e o preconceito social.
Há 20 anos, esta novela de sucesso estrondoso quebrava paradigmas, mas seu nome não é mais visto com bons olhos. Você assistiu?Camila Pitanga também se destacou como a segunda protagonista preta da emissora em Cama de Gato (2009). Ela ainda teve grande importância ao estrelar Lado a Lado (2012), novela que tratava da formação da sociedade brasileira no pós-abolição, e que ofereceu um retrato crítico sobre as dificuldades enfrentadas pela população negra.
A problematização da representatividade
Apesar dos avanços, a trajetória ainda é marcada por estereótipos e desafios. A presença negra nas novelas nem sempre foi suficiente para romper as estruturas que perpetuam o racismo. Por muitos anos, personagens negros foram retratados principalmente como empregados domésticos ou criminosos, com pouca profundidade e desenvolvimento. Quando não invisibilizados, eram marginalizados nas narrativas ou retratados em situação de sofrimento.
O ano de 2023 já havia sido histórico com três protagonistas negros simultâneos na grade da Globo: Sheron Menezzes em Vai na Fé, Bárbara Reis em Terra e Paixão, e Diogo Almeida em Amor Perfeito. Agora, em 2024, o cenário avança ainda mais, com três mulheres negras liderando as principais produções da emissora.
6 filmes com protagonistas negros que não são só sobre racismoIsso, no entanto, não significa que o caminho esteja livre de obstáculos. A representatividade precisa ser acompanhada de narrativas que valorizem a diversidade das vivências negras e que ofereçam personagens complexos e profundos.
Como Juliana Alves – que já participou do Big Brother Brasil – afirmou em seu Instagram no ano passado: "É uma conquista fruto de uma luta grande dos movimentos negros pelo reconhecimento da realidade do nosso país e valorização dos nossos talentos". Essa frase ecoa não só para o momento presente, mas para o futuro. A luta por mais representatividade e por narrativas que reflitam a pluralidade negra no Brasil deve continuar, desafiando as estruturas de poder e criando novos caminhos para as próximas gerações!
A importância do momento atual
O protagonismo de mulheres negras nas principais novelas da Globo não é apenas uma vitória individual de atrizes como Duda Santos, Jéssica Ellen e Gabz, mas um reflexo de anos de mobilização do movimento negro por visibilidade e respeito. Esse marco histórico deve ser celebrado, mas também questionado: quantas outras atrizes negras poderiam ter alcançado esse espaço se não fosse o racismo estrutural que domina o setor? E como garantir que essa representatividade se mantenha e se amplie?
A presença dessas mulheres à frente das principais produções da teledramaturgia brasileira abre portas, mas é preciso garantir que essas portas permaneçam abertas e que novas histórias – diversas, complexas e representativas – continuem sendo contadas. Vamos acordar, "plim-plim"! Não é nenhum favor. É obrigação e reparação histórica!