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    Uma Noite em 67 Entrevista exclusiva com Renato Terra e Ricardo Calil

    Entrevista exclusiva com os diretores Renato Terra e Ricardo Calil

    A era de ouro dos festivais de música da televisão brasileira, onde cantores hoje consagrados mas na época ainda iniciantes, como Caetano Veloso e Chico Buarque se apresentavam. Este é Uma Noite em 67, documentário que marca a estreia de Renato Terra e Ricardo Calil na direção.

    O editor do Adoro Cinema Francisco Russo bateu um papo com eles, onde falaram sobre as dificuldades na realização de um filme, a inédita experiência e, é claro, os festivais de música.

    ADORO CINEMA: Este é o primeiro filme de vocês. Como nasceu a ideia de virar diretor e falar sobre os festivais, mais especificamente o de 1967?

    RENATO TERRA: Fiz minha monografia sobre os festivais, no curso de Comunicação da PUC, em 2003. Desde então estava correndo atrás, pois percebi que tinha pouca bibliografia sobre isto e era um período que poderia ser explorado melhor. Ali comecei a procurar pessoas que poderiam me ajudar a viabilizar o projeto. Em 2005 comecei a trabalhar no Ibest, onde o Ricardo era meu chefe. Percebi que ele gostava muito de cinema, a gente se dava super bem e aí o convidei para tocar o projeto comigo. Aí começamos a pensar no que iríamos fazer, em qual seria o corte do filme. Em 2006 conseguimos uns 10 minutos com o João Moreira Salles. Ele não nos conhecia e apresentamos o projeto do filme. Gostou bastante da ideia e no dia seguinte voltamos, para uma reunião também com o Maurício Ramos. A partir de então entramos na linha de produção da Videofilmes e aí ficou tudo muito mais fácil.

    AC: A Record é famosa por dificultar o acesso ao seu material e vocês conseguiram um grande acervo. Como foi a negociação para ter tanto material disponível?

    RICARDO CALIL: Depois de ter o apoio da Videofilmes o próximo passo era saber se estas imagens existiam e se conseguiríamos usá-las. A gente procurou a Record e, por uma boa coincidência, eles estavam criando a Record Entretenimento, que é um braço deles que trabalha em vários ramos inclusive cinema. Em algum momento da nossa conversa eles pensaram se, ao invés de venderem as imagens, poderiam se tornar coprodutores do filme e aí cederiam as imagens, tendo uma participação no filme. Isto tornou tudo ainda mais fácil. Sempre soubemos que o acervo era uma parte fundamental do filme e, se tivéssemos de pagar por cada minuto do acervo, talvez o filme se tornasse inviável. Assim pudemos usar o acervo tranquilamente, sem qualquer preocupação. O que foi essencial, pois este é um filme cuja riqueza vem muito do acervo.

    AC: Com todo este acervo disponível, como foi a seleção do que deveria ser utilizado no filme?

    Renato: Havia uma premissa do filme, fundamental, que era a de provocar uma experiência sobre o que foi aquela noite. A gente queria que a pessoa entrasse naquela noite e sentisse o que aconteceu naquele festival, mais do que explicá-lo didaticamente. Para tanto tivemos que usar a maior quantidade possível de acervo e, principalmente, que te puxasse para dentro daquilo. Começamos sempre com a maior quantidade de cenas de público para cada música, para dar o clima, e as imagens de entrevistas de bastidores, que são maravilhosas e engraçadíssimas. Delas usamos todas que tínhamos, só as encaixamos na estrutura narrativa do filme. Além disto, toda a montagem foi feita para que, quando se chegue numa música, você tenha algumas informações prévias, para potencializar sua imersão. Por exemplo, quando a gente coloca os três acordes iniciais de "Alegria, Alegria", do Caetano Veloso, você já sabe que teve uma passeata contra a guitarra elétrica, que o público do festival era feroz e que já tinha provocado aquela reação maluca do Sérgio Ricardo. Você dimensiona aquela música, o que a torna diferente da que você ouve no rádio. A gente pensou muito nisso, ficamos nove meses montando o filme.

    AC: O filme levou quanto tempo, entre estar pronto e entrar em circuito mesmo?

    Renato: Duas semanas!

    Ricardo: Tem aquela frase famosa, que filme você não termina, você abandona. A gente fez mudanças até a exibição no Instituto Moreira Salles, duas semanas atrás. Pelo menos alguma coisinha a gente foi mudando. A gente filmou no final de 2008 e começo de 2009, depois começamos a montá-lo. Em 2009 fizemos o grosso da montagem. Em 2010 a gente teve o festival É Tudo Verdade, que foi a primeira exibição pública dele, em abril. Depois ainda mexemos em algumas coisinhas, até duas semanas atrás.

    AC: Os documentários brasileiros ultimamente têm apostado muito no lado musical, como Simonal e Nelson Freire, e têm conseguido destaque. Acredito que Uma Noite em 67 se encaixa bem neste perfil revisionista e musical. Dentro deste histórico, como vocês esperam a receptividade deste filme junto ao público?

    Ricardo: Não dá para pensar muito em termos de público. É uma incógnita, não sei se dará 30 ou 50 mil. O que a gente sabe, pelas pré-estreias, é que as pessoas têm adotado o filme. As reações têm sido muito calorosas e muito positivas até aqui. É um filme que toca uma corda emocional nas pessoas, sejam aquelas que viveram aquele período até gente jovem, que tem curiosidade. A gente espera que esta recepção, fora de um ambiente controlado de festivais, seja tão boa quanto com um público mais amplo da estreia comercial. Mas não dá muito para imaginar um público. A gente tem um histórico de filmes musicais bem sucedidos recentes e esperamos estar nesta turma dos que foram bem.

    AC: O filme comenta a participação do público como personagem, de certa forma parecido com torcidas de futebol. Isto é algo muito específico daquela época e hoje em dia não existe mais. Na opinião de vocês, por que houve esta mudança de comportamento? Por que os festivais deram tão certo antigamente, tanta gente gosta de relembrar ou de conhecer, mas atualmente não existem mais?

    Renato: Há muitos fatores. Naquela época a música unia as pessoas, porque a esquerda foi derrotada com o golpe militar. Ali surgiu muita coisa interessante, como o teatro de arena e o cinema novo. Isto servia como válvula de escape contra aquela opressão. Quando conversamos com o Paulo Machado de Carvalho, que era o diretor da Record na época, ele nos falou que na época se um programa tivesse 40% de audiência ele retirava do ar. Tinha que ter 80, 90%. Havia poucos canais de televisão que atraíam a atenção das pessoas, hoje  tem internet, TV a cabo, mais canais... O público é mais disperso. Além disto os programas de TV que falam sobre música falam muito mais de pessoas do que sobre música. Hoje há a mentalidade de que você precisa apresentar algo que as pessoas já conhecem, enquanto que na década de 60 todas as músicas eram inéditas. A mentalidade mudou, há uma indústria cultural que se formou, um momento político diferente. As pessoas hoje se relacionam com a música de forma diferente. Muito menos pessoas hoje chegam em casa, colocam uma música e param tudo o que estão fazendo para ouvi-la. Hoje até se ouve muito mais música, mas é o cara que está com o Ipod no ouvido e fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Há vários fatores que fazem com que os festivais daquela época, caso sejam feitos de novo, provavelmente não deem certo.

    Por outro lado, música boa continua sendo produzida no Brasil. Aqui no Rio há um cenário muito legal na Lapa, há um circuito de casas de shows que estão trazendo músicos novos. Apesar de achar que aquele modelo de festival rendeu muito bem para aquela época e não funcionaria tão bem hoje, torço para que se crie um modelo para divulgar estes novos músicos, tão competente quanto foram os festivais na década de 60. A gente torce também para que o filme traga uma sementinha, para gerar um debate sobre música.

    Ricardo: Também há coisas muito boas acontecendo em São Paulo. No Baixo Augusta há uma concentração de várias bandas novas e interessantes. Se você for pegar de cantoras interessantes novas hoje já dá para montar um time de futebol excelente. A gente teve a preocupação de fazer um filme sobre o passado, mas sem nostalgia.

    AC: Ricardo, já há algum tempo você trabalha como crítico cinematográfico. De que forma o olhar como crítico afetou, ou não, seu trabalho como diretor neste filme?

    Ricardo: Eu era parte de um conjunto muito maior. Todas as decisões eram conversadas com o Renato e com a equipe, então nunca teve uma questão do tipo "eu como crítico de cinema acho que deveríamos ir por este caminho". Foram conversas muito mais orgânicas e informais. Eu não gostaria de participar de um filme que eu, como crítico, não gostasse. As conversas que tivemos sempre iam de encontro ao que acreditava. Não havia muito esta separação, do tipo "vejo isto como crítico". Não pensei muito como crítico ao longo do filme.

    AC: Vocês tiveram alguma dificuldade para conseguir as entrevistas? Alguém que me chamou a atenção de não estar no filme foi o Chico Anysio.

    Ricardo: Muita gente ficou de fora. A gente entrevistou 30 pessoas, no filme deve ter 15. Ferreira Gullar foi entrevistado, o Chico também, Jair Rodrigues, Nana Caymmi... É que em algum momento do filme você se coloca diante de mil opções na montagem. Há bons depoimentos isolados, como um do Chico Anysio, mas que não se encaixava na narrativa, era como se criasse um ruído. Não tem tanto a ver com a qualidade dos depoimentos, mas com uma certa narrativa que se impôs sozinha. Foi um processo de sofrimento ao eliminar certas coisas, foi demorado. O filme brotou em determinado momento e estamos muito felizes com o que resultou, embora tenha sido doloroso por deixar muita coisa de fora.

    AC: Vocês pretendem seguir na carreira de diretor ou este é um projeto isolado?

    Renato: Pretender, a gente pretende!

    Ricardo: Com certeza a gente quer fazer mais filmes, juntos, temos ideias mas não tem nada muito concreto. Agora, carreira de diretor é mais complicado. Este filme, entre a ideia e a realização, demorou sete anos. A gente tem uma vida que não permite que fiquemos tanto tempo dedicado a um projeto. Então continuaremos sendo jornalistas e nos esforçaremos para fazer outro filme.

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