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    "Entre os Muros da Escola" - exclusiva com diretor

    Entrevista com Laurent Cantet

    por Francisco Russo

    Há 20 anos um filme francês não recebia a Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes. O jejum foi quebrado ano passado, quando Entre os Muros da Escola foi laureado. Para coroar o desempenho, o longametragem foi ainda indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

    O diretor e roteirista Laurent Cantet veio ao Brasil para o lançamento do filme, que estreia em 13 de março. O Adoro Cinema realizou uma entrevista exclusiva, a qual você pode conferir abaixo. Boa leitura!

    Adoro Cinema: Como nasceu o interesse em adaptar o livro e especificamente falar sobre o sistema educacional francês?

    Laurent Cantet: Antes de ler o livro já tinha escrito um roteiro sobre este tema, que também era dentro de uma escola. Era a história de Suleymane, o aluno mais duro da classe. O que me interessava era observar este microcosmo, pois desta forma podia compreender melhor a sociedade atual. Queria também filmar jovens que estão em momentos de vida em que começam a se posicionar, a questionar, a ver qual é o papel deles na sociedade. Queria passar outra imagem destes jovens, que geralmente são considerados meio idiotas, burros, interessados apenas em videogame.

    Adoro Cinema: O filme transparece uma certa indiferença no estudo pelos alunos, que eles não têm tanta vontade de aprender. Era sua intenção mostrar este desinteresse da juventude atual ou de certa forma até criticar o método de ensino usado?

    Laurent Cantet: É totalmente diferente. O objetivo era mostrar que eles também são inteligentes neste tipo de situação. Se você for ver bem ele não é um documentário, foram escolhidos alguns momentos de debate. Foi escolhido o que era mais interessante de mostrar. O que me interessava de maneira mais precisa era o momento em que a aula torna-se algo diferente, que é o questionamento sobre o que é isto, para que serve aprender na escola. O mais importante era mostrar a estes alunos o porquê deles estarem ali oito horas por dia, dar sentido a isto.

    Adoro Cinema: Pelo fim do filme noto uma imagem meio desoladora, em que vários alunos não conseguem aprender. Há a sensação de fracasso pelo lado do professor?

    Laurent Cantet: O final não é tão negativo. Os professores estão conscientes de que o aprendizado é um processo, não dá para recordar de tudo que se aprendeu durante um ano. Queria mostrar as contradições do sistema escolar, que ao mesmo tempo exclui alunos e também integra. Não é um sistema homogêneo. Por exemplo, quando Esmeralda lê Platão ao menos a escola lhe deu vontade de ler, ela conseguiu também ter esta capacidade e se apropriar da leitura.

    Adoro Cinema: No filme há uma espécie de confronto entre alunos e professor, até numa disputa de poder. Em um deles um aluno pergunta ao professor sobre sua orientação sexual, o que é típico de jovens. Para o espectador, qual é a importância deste tipo de questionamento? Ele serve para não levantar qualquer dúvida neste sentido ou apenas para embate mesmo?

    Laurent Cantet: É uma questão típica dos homens jovens, que têm a imagem de macho para defender. Esta cena mostra também que o professor usa qualquer situação que possa ser interessante, que possa ser explorada, para ensinar algo. Mesmo em uma situação assim. O professor pensa como ele pode fazer para que esta homofobia, quase natural entre os jovens, possa ser questionada.

    Adoro Cinema: Por que a escolha do próprio autor do livro, François Bégaudeau, para ser também o protagonista, já que ele não tinha experiência em cinema?

    Laurent Cantet: No livro tinha dois aspectos que me interessavam: o primeiro é que era quase documental, já que François trabalhou durante quase dez anos, então era um olhar interno, que nunca poderia alcançar sem ele. O segundo aspecto era este professor em particular, por ter uma maneira de ensinar muito específica, muito particular. Quando comecei a ver a maneira de fazer o filme ficou óbvio que deveria ser ele o professor. Além disto minha maneira de trabalhar, com os atores, é de improvisação. O personagem tinha que ser o mais coerente.

    Adoro Cinema: Havia no cinema francês algum tipo de pressão por um filme local não ter ganho a Palma de Ouro desde 1987?

    Laurent Cantet: Não. Não estou nos bastidores de Cannes, mas acredito que não.

    Adoro Cinema: De que forma a premiação repercutiu para o filme, no sentido de divulgação?

    Laurent Cantet: Há uma expectativa muito forte. O filme foi vendido para mais de 60 países. Estou há um ano viajando para vários países para fazer promoção do filme, o que não tinha acontecido com meus trabalhos anteriores. Na França o sucesso foi extraordinário e também em outros países os distribuidores ficaram muito felizes porque tiveram mais público do que se esperava.

    Adoro Cinema: Qual a sua expectativa sobre o desempenho de "Entre os Muros da Escola" no Brasil? Por que exatamente veio divulgá-lo no país e qual o interesse no mercado brasileiro?

    Laurent Cantet: Não escolhi o Brasil em particular. O distribuidor no país já lançou meus filmes anteriores, então há uma lealdade. Em todos os países onde fiz divulgação os costumes são parecidos, o que demonstra a universalidade do filme. Espero que isto ocorra aqui também.

    Adoro Cinema: No Brasil muito se fala sobre a concorrência desleal do cinema americano em relação ao nacional. O cinema francês tem muito público. Como é pelo lado do cineasta lidar com esta concorrência com o cinema hollywoodiano na França?

    Laurent Cantet: Não penso o cinema apenas em termos de concorrência. Estou feliz e orgulhoso que o filme tenha feito que os adolescentes fossem ao cinema. Normalmente estes jovens veem filmes de Hollywood e desta vez foram ver um filme que apresenta o mundo deles. A riqueza do cinema francês está na sua diversidade, pode haver um filme de Oscar mesmo ou outro mais experimental. E na verdade o cinema não é uma questão de nacionalidade mas de afinidade, até de se sentir mais próximo a filmes americanos.

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