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    Eu Te Amo, Agora Morra: "O caso não está concluído", defende a cineasta Erin Lee Carr sobre o crime chocante (Exclusivo)

    As palavras podem matar?

    No dia 3 de setembro, a HBO exibe um documentário perturbador sobre um dos crimes recentes mais controversos nos Estados Unidos: a morte de Conrad Roy, garoto depressivo encorajado pela namorada Michelle Carter a cometer suicídio. As intensas trocas de mensagem em que ela o pressiona a tirar a própria vida levantaram uma questão fundamental: palavras podem ser consideradas armas de um crime? Michelle cometeu assassinato, ou este é a apenas um caso de suicídio?

    À frente de Eu Te Amo, Agora Morra: O Caso Michelle Carter se encontra uma documentarista fascinada por crimes reais: Erin Lee Carr, responsável pelos bem-sucedidos Mamãe Morta e Querida (2017) e No Coração do Ouro: O Escândalo da Seleção Americana de Ginástica (2019). Neste projeto, além do acesso aos arquivos e ao julgamento de Michelle Carter, a diretora se aproximou da família de Conrad para tentar compreender não apenas as motivações de Conrad, como também as de Michelle. 

    Para a nossa surpresa, o caso se revela muito mais complexo do que aparenta - em pouco mais de duas horas, o documentário traz uma quantidade incrível de reviravoltas. O AdoroCinema conversou em exclusividade com a diretora sobre o filme:

    Por que tem dedicado a sua carreira a crimes ambíguos como este, onde é difícil determinar um culpado?

    Erin Lee Carr: Isso se deve muito à criação que recebi do meu pai, que trabalhou como redator no New York Times. Antes disso ele teve uma vida muito intensa e assustadora, e foi dependente de drogas. O fato de ter sido criada por alguém assim, que já se envolveu em ações totalmente diferentes, me fez perceber que as pessoas podem ser mais complexas do que aparentam. Sempre me interessei por crimes reais, que às vezes são difíceis de assistir. Mas acredito que, se os filmes forem bem feitos, podem trazer uma reflexão fascinante. Como eu não conseguia parar de pensar nessas histórias, decidi que a minha carreira deveria seguir por este caminho.

    Como obteve acesso aos arquivos e aos familiares de Conrad Roy? 

    Erin Lee Carr: Foi fácil ter acesso aos documentos principais do caso, mas convencer a família de Conrad foi incrivelmente difícil. Eles não estavam acostumados a falar com a imprensa, e ainda tiveram a experiência de veículos pouco amigáveis que tinham procurado por eles antes. Quando se olha para a minha filmografia, que trata essencialmente de crimes como Thought Crimes (2015) e Mamãe Morta e Querida (2017), e por eu ser uma diretora jovem, eles ficaram receosos de participar. A família dele queria entender qual ponto de vista eu teria sobre essa história. Era difícil apenas prometer que faria um trabalho respeitoso. A minha entrevista com a mãe de Conrad foi a conversa mais profunda que já tive num documentário, e era difícil continuar depois disso. Eu tinha receio de provocar uma dor ainda maior neles.

    Você mudou de opinião sobre Michelle e Conrad enquanto preparava o filme? 

    Erin Lee Carr: Sim. Eu estava horrorizada com o caso quando comecei a pesquisa, e não entendia como alguém poderia fazer isso a outro ser humano. Eu não tinha certeza se encontraria humanidade em Michelle ao fazer este retrato. Mas aos poucos descobri que ela tinha passado por experiências horríveis, inclusive dentro da família. Ao final, ela tinha um histórico mais universal e passível de identificação, e consegui compreender melhor como aquelas ações aconteceram. Espero que o documentário possa ser visto como uma história emblemática da nossa sociedade, o que é algo muito triste, na verdade. Queria fazer algo que pudesse se comunicar com os adolescentes de hoje, mostrando que estamos numa situação complicada. A minha intenção era deixar claros estes dois pontos.

    Michelle Carter nunca foi a júri popular, mas você escolheu perguntar às pessoas na rua o que pensavam do caso. Por que introduziu este recurso?

    Erin Lee Carr: Isso foi uma ideia do meu produtor, Andrew Rossi, que disse: “Vamos descobrir o que a cidade pensa a respeito”. Muitas pessoas consideraram na época que Michelle não estava recebendo um julgamento justo. Alguns diretores adoram abordar pessoas na rua, mas para ser sincera eu detesto isso, acho bem desconfortável. Mesmo assim, neste caso, acabei falando com algumas pessoas, e percebi que estavam repletas de ódio. Uma das coisas que mais me chocou foi presenciar as pessoas na rua gritando “Você deveria morrer!” quando Michelle apareceu no julgamento. Ela já estava sendo julgada há um tempo, e ainda precisava lidar com o ódio das pessoas contra ela.

    Uma parte considerável do filme se concentra nas mensagens de texto trocadas pelos namorados. Como adequou este material ao cinema, e como escolheu as imagens para acompanhar o texto? 

    Erin Lee Carr: Existe muito material em áudio, então muito é deixado ao espectador para escutar. A decisão de apenas colocar os textos desfilando na tela me pareceu boa porque estamos acostumados a mandar mensagens em texto diariamente, e é deste modo que as mensagens costumam aparecer. Eu às vezes coloquei material de arquivo, às vezes optei por cenas da natureza, dependendo do conteúdo das mensagens. Mas o mérito desta escolha vai ao meu editor Andrew Coffman por encontrar a imagem ideal para cada conversa. Foi ele quem montou essas associações. Às vezes as pessoas dizem: “Foi você que dirigiu”, mas é importante lembrar que eu não cuidei da montagem. Tinha uma visão muito precisa de como o filme deveria ser no final, mas muito do resultado depende das escolhas de edição. Então o trabalho foi uma colaboração, porque todos tinham uma visão sobre como representar a adolescência de hoje e nossa relação com a tecnologia.

    Você pretende continuar acompanhando o caso? Tem a intenção de conversar com Michelle quando ela sair da prisão? 

    Erin Lee Carr: Eu adoraria conversar com ela e filmá-la. Na prisão, sei que ela não poderia falar comigo. Gostaria de dar uma cópia do filme para ela, mas também acredito que seria bastante doloroso. Eu me lembro de ter recebido o conselho de um documentarista quando comecei a fazer filmes. Ele me disse: “Erin, filmes nunca são concluídos, eles são abandonados”. Uma hora, eu precisei parar. Meu interesse pelo caso de Michelle vai continuar, e sei que o caso não está concluído, de certo modo.

    O que esta tragédia nos diz sobre a liberdade de expressão nos dias de hoje? 

    Erin Lee Carr: O filme é uma indicação de que nosso sistema criminal ainda não sabe lidar com algumas questões. O fato que alguém seja considerado culpado de homicídio por causa de uma troca de mensagens, em circunstâncias cujas motivações não estão claras, me parece questionável, ainda que compreensível. Ainda precisou avançar muito para acompanhar a tecnologia presente. Até agora, o caso não deixou respostas claras.

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