Minha conta
    10 Segundos para Vencer: "Dava medo, meus ídolos fizeram grandes filmes de boxe", revela o diretor José Alvarenga Jr. (Entrevista exclusiva)

    Cinebiografia de Eder Jofre é estrelada por Daniel de Oliveira e Osmar Prado.

    10 Segundos para Vencer, cinebiografia de Eder Jofre, tem Daniel de OliveiraOsmar Prado como protagonistas e direção de José Alvarenga Jr.. Apresentando o longa-metragem pela primeira vez ao público em geral no Festival de Gramado, de onde o drama saiu com dois Kikitos, o cineasta conversou com o AdoroCinema sobre suas inspirações e temores ao entrar num universo já tão bem retratado nos cinemas.

    AdoroCinema: O Daniel [de Oliveira] me disse que um dia teve um "momento de iluminação" e decidiu que interpretaria Eder Jofre. E você, como entrou nessa história?

    José Alvarenga Jr.: Acho que Eder Jofre tem um lado místico, apesar de estar vivíssimo, pois eu também fui escolhido. O diretor era o Rogério Gomes, eu era o produtor associado. O Rogério recebeu um convite para uma novela, não pôde dirigir, e neste dia em que ligou para o presidente da Globo Filmes para contar que não ia fazer, eu estava sentado na frente do Edson [Pimentel], que olhou para mim e perguntou: “Você faz o filme?”. A partir disso estudei, fui conhecer o Eder e a família dele, fiz um trabalho de pesquisa muito grande. Meu pai era fã dele e eu tenho bons momentos assistindo lutas do Eder na televisão. Então foi um encontro inexplicável e hoje mais do que necessário. Eu não viveria sem o Eder Jofre.

    AC: E a família, eles participaram do processo?

    JA: Muito, todo mundo. Não partimos de um livro, partimos de alguns documentários, principalmente o Quebrando a Cara, do Ugo Giorgetti, que é maravilhoso. Ele [Eder] tem muito material gravado em estações de televisão, era um cara muito ativo nas mídias, já entendia um pouco dessa promoção; um cara muito boa gente e muito querido, que tinha um jeito popular e muito sincero de se expressar. Então a mídia gostava do Eder porque da boca dele vinha sempre uma coisa espirituosa, engraçada. Era um cara extremamente profissional e desejado pela mídia do esporte, além de ser um ídolo que trazia faturamento. Uma luta dele era quase como um show de rock. A partir desse material, o que era importante para a gente era entender o que a gente queria contar do Eder, qual fatia de vida para que essa história pudesse ser apresentada de um jeito vibrante, que traduzisse a força que ele era e não desrespeitasse a biografia. Porque quando a gente fala em cinema, em ficção, há uma tendência em buscar a melhor maneira de compor uma cena, é inevitável. Isso nas cinebiografias acontece também, você modifica algumas coisas em função do impacto narrativo, mas você não pode desrespeitar a pessoa que provocou seu desejo de contar a história, então é um desafio permanente.

    AC: E são 120 minutos, uma duração extensa.

    JA: Sim, é um filme longo e a gente não quis abrir mão disso. Foi uma posição muito clara minha, era um desafio para mim. Porque honestamente é muito fácil - se você domina o ritmo da história - fazer um filme de uma hora e meia, um formato já concebido, um formato que as pessoas já estão habituadas, um formato comercial do cinema. Mas nossa função como contadores de histórias é criar outras possibilidades. E para um diretor, se ele consegue contar uma história longa, com êxito, ele está dando um passo adiante. Você pode escrever um pequeno grande livro ou um livro grande e pequeno. Essa opção é um desafio e eu, como artista, queria o desafio de fazer um filme de duas horas. O público vai decidir, vai ter gente que vai gostar e gente que não, mas eu não faço para todo mundo.

    AC: Outro desafio é fazer um filme sobre boxe, considerando toda a história do cinema, o que já foi feito...

    JA: Essa foi a maior dificuldade, porque dava medo. Meus ídolos fizeram grandes filmes de boxe e eu sou um diretor porque sou apaixonado por cinema, vejo muito filme e por isso faço filmes diferentes, vou inventando, vendo coisas... A mesma provocação que eu sinto quando vejo um filme, eu quero que as pessoas sintam vendo meu filme. Então era um dilema para mim, pois meus ídolos fizeram isso de um jeito encantador. Eu estudei Touro Indomável durante muito tempo da minha vida.

    Eu tinha um personagem real, eu não desejei fazer um filme de boxe sobre um personagem. Então eu decidi usar a realidade desse personagem e saber qual era a diferença dele na luta de boxe, que é o que vai dar a autenticidade dele em relação ao Jake LaMotta. A gente descobriu que no peso-pena e no peso-galo a característica é a velocidade, são lutas muito velozes porque os lutadores são muito rápidos. Um lutador de peso-médio ou peso-grande têm uma média de três golpes por segundo, esses têm sete, oito. Então eu comecei a pensar na luta como uma luta de velocidade, o que me separou de todos eles. Enquanto a luta do Scorsese é coreografada com slow-motion, com impactos... dentro da luta, mas com uma coreografia sensorial, eu parti para uma coreografia real. O Daniel [de Oliveira] e o Cesário, que foi treinador dele, lutaram em cima de alguns golpes-chaves, mas a gente buscou com a câmera na mão, dentro do ringue, essa velocidade e essa brutalidade do golpe. É como se aqueles golpes não fossem parar nunca, parece que eles vão se bater até matar, e acho que isso traz um impacto. Fora isso, estudando filme de boxe você descobre que o barato do filme de boxe não está no ringue, é quem está fora do ringue. Nesse caso do Eder tinha uma família esperando o resultado e eu montei o filme sobre essa emoção. A luta em si funciona, mas na verdade você está torcendo porque aqueles personagens estão dizendo como a luta deve rolar, para onde ela deveria ir - e você vai junto. Esse é o grande truque.

    AC: E o uso das imagens de arquivo do verdadeiro Eder, como você chegou nisso?

    JA: Isso foi uma puta sacada nossa. A gente não tinha dinheiro para fazer as cinco lutas principais do Eder. Só aquela luta contra o [Joe] Medel, nos Estados Unidos, foram sete meses de computação gráfica para construir aquele espaço. A gente filmou tudo aquilo em chroma, 50 mil pessoas, nada existe. Foi o que atrasou o filme. Isso tudo para uma luta, imagina as cinco? Então a saída era usar a luta do Eder, de fato. Mas aí como você sai de uma realidade para uma ficção? E aí foi o insight da Atlântida, do cinejornal, porque na época a televisão não era tão robusta e quem comunicava tudo para a gente eram os cinejornais. Então a linguagem está dentro da linguagem e pelos cinejornais a gente pode colocar as lutas. É impressionante porque eu não vi ninguém até hoje reclamar. As pessoas compraram e teve um jornalista até que me perguntou se a luta do Japão era o Daniel, e eu disse que não, era o Eder. Isso é o poder hipnótico da ficção, porque os dois são completamente diferentes. O cinema ainda é a velha fogueira.

    Leia a crítica de 10 Segundos para Vencer, que tem estreia prevista para 27 de setembro.

    facebook Tweet
    Links relacionados
    Comentários
    Back to Top