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    Ferrugem: Depois de Sundance e Gramado, filme de Aly Muritiba mira no Oscar 2019 com tema atual e universal (Exclusivo)

    Tema universal, elenco bem preparado e equipe que valoriza as mulheres no audiovisual estão por trás do sucesso vencedor de Gramado em 2018; longa pode também representar o Brasil no Oscar 2019.

    Divulgação

    Depois de passar por Sundance e vencer o Festival de Gramado de 2018Ferrugem chega aos cinemas brasileiros com sua trama sobre o uso da tecnologia pelos jovens, bullying e revenge porn. O filme com roteiro e direção de Aly Muritiba captura o espírito de seu tempo e já conseguiu provocar diferentes audiências pelo mundo, o que demonstra o quanto tais assuntos precisam e devem ser discutidos. 

    Na história, Tati (Tifanny Dopke) é uma estudante do ensino médio que adora registrar a rotina nas redes sociais e começa a conhecer melhor um colega do colégio, Renet (Giovanni de Lorenzi). Depois de perder o celular numa viagem com a turma, ela começa a viver o drama de ter conteúdos privados rodando por todo o colégio. O papel dos amigos e da família nestes casos também entra em cena, especialmente com o universo de Renet; Clarissa Kiste e Enrique Diaz completam o elenco interpretando mãe e pai do garoto.

    Dividido em duas partes, o longa não só apresenta a complicada exposição de uma jovem adolescente, mas também mergulha no entorno dos personagens para tentar escancarar culpados e porquês. Os desdobramentos da trama prometem inclusive render debates com especialistas em escolas e salas de cinema pelo Brasil, conforme já adiantou o produtor Antonio Junior

    Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o diretor Aly Muritiba e os atores Tifanny Dopke, Giovanni de Lorenzi e Nathalia Garcia contam como lidaram com temas tão urgentes e falaram da possibilidade de Ferrugem ser o filme a representar o Brasil no Oscar 2019; o escolhido será divulgado no dia 11 de setembro. 

    Divulgação/Globo Filmes

    De onde veio a ideia de fazer esse filme? Muitas obras falam só sobre o que a mulher sofre, mas não tentam ir buscar uma causa, encontrar culpados, algo que você explora na segunda parte do filme. 

    Aly Muritiba: As influências são sempre múltiplas e vêm de lugares muito distintos. O gatilho veio não apenas da minha experiência como professor de Ensino Fundamental e Médio, que lidava com crianças e adolescentes hiperconectados, mas também como aquele que tinha que lidar com os pais dessas crianças  e que eventualmente tinha que ouvir dos pais “Ah, olha, meu filho mandou você se foder, mas não foi por mal”. Isso já estava permeando minha vida quando meu filho, hoje com quinze anos, começou a entrar na adolescência e eu comecei a me ver às voltas da decisão de dar ou não para ele um smartphone. Isso culmina também com o início de um movimento muito incrível que surgiu no Brasil acerca de machismo e misoginia, que é uma luta encampada maravilhosamente pelas mulheres. Eu comecei a enxergar boa parte do machismo em mim que eu não enxergava antes a partir dessas discussões todas.

    Rolou então uma autocrítica da masculinidade tóxica?

    Aly: Sim, completa. Tem toda essa discussão do lugar de fala, mas também tem a questão da empatia. Eu nunca serei uma mulher, eu não tenho útero, eu não menstruo, tem questões físicas, fisiológicas e genéticas, mas eu posso tentar de alguma maneira, mesmo sendo homem, me colocar no seu lugar. Diante de todas essas discussões é que nasceu o desejo de contar essa história e decidi contar a história da Tati, já que o filme originalmente era só a história do Renet. Percebi que no contexto atual era muito pouco e que também não era desejável nem possível fazer esse filme sozinho como roteirista. Chamei então a Jessica Candal, amiga minha e grande roteirista, para que ela ajudasse a dar vida a Tati. O roteiro passou a ser escrito a quatro mãos, masculinas e femininas.

    Também tem muitas mulheres na equipe, isso influenciou em algo?

    Aly: Foi deliberado. A gente estava neste momento com a discussão toda acerca de como o meio cinematográfico é masculino, de como as mulheres fazem poucas funções, e eu falei “Gente, só estou promovendo o debate e fazendo nada na prática”. Então, quando entrou grana para fazer o filme, eu falei com o Antônio Junior e combinamos: sempre que desse para chamar dois profissionais, uma mulher e um homem, chamaríamos os dois. Se precisássemos só de um, chamaríamos a mulher. Foi muito legal. 

    Divulgação / Globo Filmes

    Você aproveitou muito a própria Internet no filme. Tem memes, gifs, redes sociais, além de planos de câmera que valorizam isso. O quanto você mergulhou nessa linguagem? 

    Aly: Eu comecei a observar como eram os vídeos que os jovens consumiam na internet e são rápidos, curtos, com um ritmo frenético, muita informação pipocando na tela ao mesmo tempo e com a atenção muito focada, como se o mundo externo desaparecesse. Comecei a me perguntar como fazer isso em termos cinematográfico e isso determinou a escolha dos planos. E o meme é ferramenta de comunicação: mesmo quando comunica algo ruim, é mais direto que as palavras escritas.

    Como foi o processo de preparação do elenco? 

    Aly: Tivemos um mês e meio de preparação e criamos uma sala de aula, tínhamos 32 adolescentes que ficavam o dia inteiro fazendo dinâmicas, jogos, pesquisas, estudos. Eu tive o René Guerra que me ajudou a fazer esse processo e ele ficava com os garotos o dia inteiro, coordenando dinâmicas e criando neles um senso de grupo. Era importante que eles se tornassem uma turma de escola, com todas as coisas boas e ruins que existem em uma turma de escola: sacanagens, brigas, amores, tudo isso surgiu ali.

    Tiffany Dopke: Juntamos esses adolescentes por um mês para ver quem se encaixava nos personagens e criamos uma família Ferrugem antes de qualquer coisa. O processo foi muito bom.

    Nathalia Garcia: Ninguém tinha personagem definido a não ser a Tiffany e o Giovanni, que chegou por último. A gente ficou muito tempo juntos, para nos tornamos amigos de verdade e para imprimir na tela esse sentimento. Foi difícil fazer algumas cenas, estamos felizes com o resultado, mas eu e o Giovanni ficamos remoendo um sentimento de culpa. A gente foi treinado para isso...

    Giovanni de Lorenzi: Eu falo que às vezes chegar lá é fácil, o difícil é voltar... O René deu armas para a gente conseguir atacar o assunto e se defender dele. Uma estrutura de "anjo e demônio".

    Divulgação / Globo Filmes

    Vocês já tinham lidado com alguma história parecida no colégio?

    Giovanni: Sim. E o que mais tem me perturbado depois desse filme é que todo mundo conhece alguém que passou pela exposição e viveu um inferno. Na minha escola também teve um caso. Eu não acompanhei de perto, mas vi acontecer, deu polícia, um monte de coisa.

    Tifanny: O pior é isso: não é um, são alguns casos. Na hora, ninguém tem empatia, ninguém se coloca no lugar da pessoa. O que me impressionava mais era que falavam assim “Você viu aquele vídeo da menina?”, “Sim, eu tenho no celular”, “Me passa, deixa eu ver também”. Ou então também tem muita gente que não compartilha mas também não faz nada. 

    Esse processo transformou vocês de alguma forma? Passaram a pensar sobre coisas que não tinham pensado ainda?  

    Giovanni: Estando na posição de homem, nunca pensei muito a respeito disso na minha adolescência.  Claro que eu cometo erros de criação, mas sempre mandei nudes e sempre recebi nudes e me orgulho de não ter compartilhado. E espero que o universo devolva para mim e não compartilhem os meus também (risos). Mas eu comecei a observar bem mais a misoginia que está nos detalhes e os detalhes são perigosíssimos. Enquanto o machismo se coloca como ignorância, a misoginia é puro ódio. Comecei a observar mais isso e tem me chocado muito.

    Nathália: Minha personagem, a Dani, ela é um símbolo de todas as amigas que estão nesse mundo e ela se mostra vítima do machismo também, Eu me percebo vítima todos os dias também, a gente está aprendendo a ser feminista, aprendendo a entender. Hoje eu estou com 23 anos, mas se eu estivesse com 17 eu não sei como eu agiria. É legal pensar sobre isso.

    Divulgação / Globo Filmes

    Vocês já ganharam Gramado, foram para Sundance e outros festivias e existe uma expectativa de representar o Brasil no Oscar. Como estão se sentindo?

    Tifanny: É uma loucura, eu não estou acreditando em tudo isso (risos).

    Aly: É incrível mesmo. Quando eu fiz esse filme, meu maior desejo era que ele chegasse nas pessoas, que elas pudessem ver e conversar sobre os assuntos abordados no filme. O tema é muito relevante e é universal. O mundo inteiro está conectado, o mundo inteiro tem adolescentes, tem pais preocupados com o que os adolescentes fazem na rede, e a gente não sabe muito bem como lidar com isso. Por conta da relevância, eu acho que temos chances de verdade de ser o brasileiro escolhido.

    Nathália: Eu acho que o Oscar seria muito importante, não só pela nossa carreira, mas pelo momento que eles estão passando lá também. A gente não esperava, faz mais de um ano que rodamos e todo dia é uma surpresa diferente! 

    Giovanni: Olha, eu nunca nutri expectativas de nada, até para ter uma surpresa mais gostosa como foi Gramado, mas eu não saberia como dizer isso a ponto de você conseguir escrever. Só vão sair onomatopeias e emojis (risos). Pode colocar emoji de champagne estourando, emoji de festa... 

    Elenco jovem em cena de Ferrugem

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