Minha conta
    "Não tem como fazer um filme sobre Yonlu sem falar de suicídio e sem falar de música", explica o diretor Hique Montanari

    A história do artista falecido aos 16 anos de idade.

    Nesta quinta-feira, chega aos cinemas um filme brasileiro muito especial: Yonlu, retrato do músico e ilustrador que cometeu suicídio aos 16 anos de idade, após seguir os conselhos de um fórum na Internet.

    Evitando as biografias tradicionais, o diretor Hique Montanari propõe uma leitura poética sobre a vida do adolescente, utilizando as letras de suas músicas e seus próprios desenhos para discutir a depressão e a solidão dos nossos tempos. O papel principal é encarnado pelo ator e músico Thalles Cabral. Leia a nossa crítica.

    O AdoroCinema conversou com Montanari sobre o projeto:

    Divulgação

    Desde o começo, o filme deixa muito claro o suicídio do personagem. De que maneira decidiu abordar este tema delicado?

    Hique Montanari: Como se trata de uma história notória, para não cair no sentimentalismo, preferimos dizer: “Olha, gente, vou contar o fim logo no início. É sobre um garoto de 16 anos que se suicida assistido por um grupo virtual de suicídios”. Eu tenho 88 minutos de filme depois, o que eu vou apresentar é quem era esse garoto, o universo de onde ele vem. É preciso reforçar que ele deixou um legado, e esta é sua expressão mais representativa. Ele teve um CD internacional lançado por um selo de Nova Iorque.

    Assim, eu me livro da preocupação de apresentar o tema de maneira mais óbvia e posso trabalhar com a questão mais visual, mais imagética - inclusive não mostrando, que é uma opção que o filme faz. A câmera não vai para o banheiro onde acontece a morte. Ela fica no corredor, enquanto optamos por um trabalho de luz e sombra. É uma maneira sutil, elegante até, de não se mostrar algo que não era o caso de mostrar. 

    Desde o início a gente teve algumas preocupações: não criar um super-herói, não glamorizar e não romantizar o fato. Tivemos cuidados ao longo dessa narrativa, embasados em muita conversa e muita pesquisa com pessoas ligadas à área da saúde mental para conduzirmos essa história, sem deixar de contá-la, porque a questão do suicídio deve ser discutida. É preciso tirar o tema da obscuridade, porque é através da discussão que se previne. O filme vai nessa direção de trabalhar sutilmente, sem deixar o fato de lado. Nós mostramos o fórum dos suicidas, incluindo os textos originais trocados naquele fórum.

    Ao mesmo tempo, queremos deixar bem claro que nunca se teve a pretensão de demonizar a Internet. Ela está acima do bem e do mal, é um avanço que catapulta a raça humana para patamares até então inimagináveis. É irreversível, não vivemos sem ela. Mas a questão que a gente elucida diz respeito ao conteúdo: quem são esses anônimos que jogam conteúdo na Internet, e de que tipo? Essa é a questão que ecoa nesse contexto, sobre o uso indiscriminado dessas ferramentas. 

    Divulgação

    Acredita que nossa relação com as redes sociais tenha mudado desde 2006, quando se passa a história?

    Hique Montanari: Assim como as melhores receitas e os melhores conceitos, você pode encontrar e continua encontrando na Internet os piores conceitos também. Os fóruns virtuais de suicídio e os fóruns que alimentam todo o tipo de patologia psíquica continuam na rede, é só querer entrar. O equivalente mais atual, que se discute no mundo todo em 2018 são as fake news, geradas de maneira indiscriminada para provocar o efeito contrário ao que uma notícia verdadeira geraria. Isso definitivamente foi feito na época, quando ao invés de ajudar, você estimula, dando um empurrão em direção ao suicídio.

    O assunto é extremamente atual. Seja pela rede ou não, o tema suicídio está em voga atualmente, com índices absurdos, não só de jovens. Isso ocorre no mundo todo: por exemplo, existem países da Ásia onde a questão se torna tabu devido ao alto índice de suicídios. Então é um tema atual, recorrente e que precisa ser discutido, para prevenir.

    De que maneira decidiu se apropriar das músicas, letras e ilustrações de Yonlu no filme?

    Hique Montanari: Não tem como fazer um filme sobre Yonlu sem falar do suicídio, e não tem como fazer um filme sobre Yonlu sem falar do artista. Essa dualidade suicida x artista é a mesma história. O meu personagem é um garoto de 16 anos, extremamente criativo e com potencialidade artística. Além das músicas, ele tem uma produção de fotografias, de ilustrações, até histórias em quadrinhos.

    A música no filme tem uma função narrativa, ela conta muito do estado de espírito do personagem. Se você pegar as letras do Yonlu, elas contam o que ele estava sentindo naquele momento, naquele dia, naquela sala de aula. As músicas do filme vão além da função de trilha sonora.

    Divulgação

    O que te levou a pensar no Thalles como o ator principal? Como foi o processo de direção dele?

    Hique Montanari: Minha opção com a equipe nunca foi pegar um ator parecido, com a cara do Yonlu, o corte de cabelo do Yonlu, gesticulando como o Yonlu. A gente manteve algumas questões físicas, tem a questão de altura, o comprimento de cabelo, certas características de que eu não podia fugir, mas não queria ficar preso à semelhança.

    O Thalles ficou sabendo do projeto quando ganhamos o edital de produção. Ele me contatou, e depois percebi quem era aquele garoto, que tinha acabado de filmar na novela Amor à Vida. Mesmo ele não estando perto de 16 anos - ele tinha 21 anos na época -, o Thalles tem um aspecto adolescente. Marcamos o teste de elenco, composto por vinte páginas do roteiro, dez em português e dez em inglês. Ele tinha que memorizar esses textos, porque eu trabalhei com muitos planos-sequência de longa duração, às vezes com cinco minutos, então ele precisaria memorizar o texto.

    Ele também teve que aprender a tocar e cantar no violão umas dez músicas do Yonlu, com as letras memorizadas. Foi um teste intenso, de três horas. Mas ele foi o primeiro e o único a ser testado. Depois do teste, eu não tive dúvidas. O Thalles é um ator talentosíssimo, com técnica, além de ser generoso, muito bom de trabalhar. Ele ainda é cantor, toca violão, ótimo em leitura. Enfim, ele era o meu personagem.

    facebook Tweet
    Links relacionados
    Comentários
    Back to Top