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    Festival de Gramado 2018: Cinebiografia pasteurizada, Simonal é o centro das atenções na 4ª noite

    Edson Celulari recebeu o Troféu Oscarito na sessão em que o decepcionante longa argentino Recreo e os curtas Minha Mãe, Minha Filha e Aquarela também foram exibidos.

    "Ninguém Sabe o Duro que Dei", cantava Wilson Simonal nos tempos áureos, e, entre meados da década de 1970 e 2009, quando foi lançado o bem-sucedido documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, de fato poucas pessoas se importavam com o cantor de voz inconfundível. Condenado ao ostracismo por supostamente colaborar com os militares em delações, o artista ganha uma nova campanha de redescoberta agora em forma de longa-metragem ficcional. Estrelado por Fabrício Boliveira, desde já favorito ao prêmio de melhor ator do Festival de Gramado 2018, Simonal foi o grande destaque da segunda-feira, marcada por promessas nem sempre cumpridas.

    A longa noite começou com o curta Minha Mãe, Minha Filha, de Alexandre Estevanato, que aborda tema importante, o Alzheimer, de forma bastante piegas. Sem cor, no que parece uma tentativa esteticamente incômoda e sem justificativa de imitar a brancura dos hospitais, o filme desconhece a palavra "moderação" no uso de trilha sonora para sensibilizar e chega a ser constrangedor em alguns momentos, retratando o lidar com a grave doença como uma brincadeira manipuladora de afetos e memórias. Mais uma vez a seleção para a competição nacional parece ter sido motivada por algo que não a obra, no caso as atrizes: Eva Wilma (tirando leite de pedra) e Helena Ranaldi (um tanto over). Um argumento bonito, fruto de três anos de pesquisa da roteirista Cintia Sumitani, desperdiçado.

    Decepcionante é o melhor termo para definir Recreo, concorrente na mostra de longas estrangeiros. Estrelado por alguns dos melhores atores argentinos em atividade, como Carla PetersonJuan Minujín e Pilar Gamboa, o filme de Hernán Guerschuny (O Crítico) e Jazmín Stuart (Pistas Para Volver a Casa) é um entediante drama de discussão de relações em embalagem de comédia. A apresentação dos personagens, a reunião na casa de campo, o clima "classe média sofre", as crianças barulhentas e até balões formam o combo perfeito para uma narrativa ácida e divertida sobre relacionamentos infelizes e a crise dos 40 anos, mas os cineastas levam suas questões a sério demais. Como a orgia que é prenunciada intensamente e por fim negada aos olhos dos espectadores, Recreo soa como uma piada abortada antes da parte que faz rir ou tão mal contada que ninguém entende, provocando apenas discretos sorrisos por educação.

    Pausa nos filmes para a homenagem da noite, a entrega do Troféu Oscarito a Edson Celulari. Após ouvir mensagem de Soledad Villamil (com quem contracenou em Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos) e subir ao palco sambando, o ator se emocionou, anunciou que prepara estreia como diretor de cinema e disse desejar mais quarenta anos de carreira.

    Cleiton Thiele / Pressphoto

    Elevando a carga dramática da noite, que já não estava baixa, Aquarela, de Thiago Kistenmacker e Al Danuzio, expôs uma terrível história verídica de violência sexual e objetificação feminina envolvendo a corrupção do sistema carcerário. O curta tem som e trilha bastante marcantes, ritmando as ações conectadas tendo toques e gestos como guias. A rebuscada condução sensorial que não se prende à identidades, no entanto, nem sempre facilita a compreensão, o que não é o ideal considerando a característica filme-denúncia da obra.

    E chegou o momento que todos esperavam, a primeira exibição pública de Simonal, que tem estreia prevista para 2019. Primeiro longa do montador Leonardo Domingues na direção, a cinebiografia abre de forma impressionante com um complexo plano-sequência e adota o recorte de ascensão e queda, fugindo do cansativo modelo de cinebiografia do nascimento à morte, mas só um pouco, afinal é representado o início e o fim de seu estrelato.

    Obviamente o objetivo é tirar do cantor, falecido em 2000, a reputação de delator, mas nem por isso ele é apresentado como um santo. Boliveira é fotografado sempre metade à luz, metade à sombra e o orgulho malandro de Simonal permanece no limiar entre a boa autoestima e o egocentrismo danoso. Falta ao filme, no entanto, um dedo na ferida, certo punch capaz de diferenciá-lo dos recentes Elis e Tim Maia, igualmente cheios de sucessos musicais, boas atuações, luz de palco, fotografia caprichada e momentos históricos. Nesse sentido, destaca-se outro plano-sequência, que exemplifica bem como o astro tinha o público nas mãos - ou no gogó -, em que Simonal sai do teatro, dá um pulo no bar ao lado, volta e encontra os fãs no mesmo coro de quando fugiu pelos bastidores.

    Sem imitar expressões faciais do cantor, Fabrício o honra nos gestos, na movimentação, na ginga, e é maravilhoso que o personagem denuncie o racismo como a causa de sua derrocada, mas um pouco limitado o filme se restringir a isso e ao apontamento d'O Pasquim como vilão, se esquivando politicamente. Até convence em alguns aspectos, mas não emociona.

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