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    "Anna Karenina foi a primeira feminista", afirma Karen Shakhnazarov, diretor de A História de Vronsky

    A nova adaptação de Tolstoi está nos cinemas.

    Esta semana, um dos maiores clássicos da literatura mundial ganhou nova adaptação aos cinemas. Anna Karenina - A História de Vronsky propõe uma releitura da história de Leon Tólstoi pelo ponto de vista do amante da protagonista, que relembra o romance do passado.

    Em visita ao Brasil pela primeira vez, o diretor Karen Shakhnazarov conversou com o AdoroCinema sobre o projeto. Ele comenta as escolhas de imagem e elenco, além de oferecer um panorama crítico do cinema russo selecionado nos grandes festivais:

    Anna Karenina já teve dezenas de adaptações para o cinema e para a televisão. O que torna esta história tão fascinante ainda hoje?

    Karen Shakhnazarov: Existem muitas adaptações no cinema, de diversos países, além de muitos seriados. Mas esta é uma história que ninguém contou melhor do que Tolstói. Então vale a pena, ainda hoje, contá-la de novo para as pessoas, que vão ter a impressão de enxergarem suas próprias vidas. Quando eu estava fazendo o filme, eu pensei durante várias cenas: “Nossa senhora, a mesma coisa aconteceu comigo!”. É impressionante, porque esse triângulo amoroso realmente serviu como esquema para todos os outros. Desde então, ninguém retratou triângulos tão bem. 

    O que levou a pensar que seria possível expandir a história de Vronsky, incluindo os cuidados com a órfã?

    Karen Shakhnazarov: Na história original, Anna foi vitoriosa porque ela acaba com a vida dele através de sua própria morte, através do suicídio. Ela praticamente o castiga, e acaba se saindo vitoriosa. É muito importante notar esse aspecto. Do meu ponto de vista, Vronsky foi muito egoísta pela maneira como se comportou com ela. O fato de ter que cumprir pena cuidando dessa menina é provavelmente uma boa maneira de mostrar como ele sofreu por Anna esse tempo todo. A menina se torna uma salvação para ele. Vronsky é obrigado a ajudá-la, salvá-la, ficar com ela. Não é um castigo: o castigo já aconteceu no passado. Essa é uma possibilidade para Vronsky se redimir.

    O filme chega aos cinemas numa época em que se pede mais protagonismo feminino. Como acredita que uma história do século XIX dialoga com as demandas sociais de hoje?

    Karen Shakhnazarov: Anna já era feminista naquela época, ela foi a primeira feminista. Ela sempre queria ganhar, ser a mais vitoriosa entre todos os homens. Ela dominava e tinha a personalidade mais forte entre todos os personagens do livro. Ela quer que o mundo seja do jeito que ela vê. A morte dela, no final, não é uma morte de desespero, e sim a atitude de uma pessoa que está apaixonada, como se dissesse: “Eu vou te mostrar o quanto você vai sofrer”. É como se ela estivesse dando uma grande lição para a vida inteira dos homens que a amaram. Mas o meu ponto de vista é masculino. Esse é meu ponto de vista, é claro, e Tolstói também tinha esse ponto de vista, porque o ponto de vista dele realmente foi masculino ao contar a história.

    Os dois atores principais têm uma longa carreira trabalhando juntos. Isso foi importante para escolhê-los como Vronsky e Anna?

    Karen Shakhnazarov: Elizaveta BoyarskayaMax Matveev são marido e mulher na vida real. Na verdade, fizemos testes com inúmeros atores, mas eles realmente nos encantaram. Cada um fez o papel da maneira que esperávamos. Eu não os escolhi porque formavam um casal, ou porque tinham trabalhado juntos em muitos projetos antes. Eles foram testados separadamente, em momentos distintos, mas foram escolhidos porque eram os melhores para cada papel. Eles estavam muito próximos do que eu imaginava para os personagens.

    Como trabalhou com os atores durante as filmagens? Fez muitos ensaios, deixou espaço para alterarem o texto? 

    Karen Shakhnazarov: Em todos os meus filmes, seja este ou os outros, eu quero que os atores se expressem. Eu não somente deixo esse espaço de criação, mas também o incentivo. Na hora de escolher o ator, eu já preciso ter a confiança de que ele vai compor o personagem da maneira certa, e dar o acabamento de que eu preciso. Obviamente, não estou falando de propor mudanças ao texto, eu falo de nuances de interpretação mesmo. Eu sempre defendo que os atores se libertem e se sintam à vontade também.

    Anna Karenina - A História de Vronsky recebeu vários prêmios na Rússia pela direção de arte e fotografia. Qual é o espaço para a criatividade dentro das obrigações dos filmes de época?

    Karen Shakhnazarov: Sim, nós realmente cuidamos muito dessa parte. Estas questões eram importantíssimas. Nós inclusive filmamos apenas com a luz de velas, sem acrescentar nenhuma iluminação extra durante as cenas, para reproduzir o efeito que teriam no fim do século XIX. Estes aspectos receberam um cuidado especial: a parte do figurino, a luz, os cenários. Era essencial para mim permanecer fiel à época e ao livro.

    A produtora Mosfilm costuma ser chamada de "Hollywood russa" no resto do mundo. O que pensa dessa ideia?

    Karen Shakhnazarov: Hollywood é muito maior, obviamente. É lamentável, mas é um fato. Eu diria que os estúdios da Mosfilm, pelos equipamentos e pela força de produção, não são inferiores a qualquer um desses estúdios. Inclusive, nós temos algumas coisas melhores do que eles, tecnologicamente falando. Mas é claro que, quando você junta todos os operários de Los Angeles, que têm cinco grandes estúdios e vários menores, não tem como comparar. Mesmo assim, em termos de qualidade do trabalho efetuado nos estúdios, não estamos nem acima, nem abaixo deles.

    O cinema russo contemporâneo que chega ao Brasil é principalmente aquele exibido em grandes festivais como Cannes e Berlim. Acredita que estes filmes representem a média da produção na Rússia?

    Karen Shakhnazarov: Não, de modo algum. Ultimamente os grandes festivais são mais políticos do que qualquer coisa. Às vezes a gente nota que a escolha dos nossos filmes para participarem destes eventos é política. Nos anos 1980, quando comecei a trabalhar nos festivais internacionais, as coisas não era assim. Eu tenho certeza que, se você estiver assistindo somente aos filmes dos festivais internacionais como esses, não vai conhecer o cinema da Rússia. Eles não representam a nossa produção de jeito nenhum. Existe muito mais diversidade do que você vê nestes lugares.

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