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    "Ela vive num único dia o que não tinha acontecido a vida inteira": Paulina García explica a magia por trás de A Noiva do Deserto (Exclusivo)

    Um dia atípico para uma tímida empregada doméstica.

    Depois da ótima recepção no festival de Cannes, o drama A Noiva do Deserto chega aos cinemas brasileiros esta quinta-feira, 12 de abril.

    No papel principal, Paulina García (Gloria) interpreta Teresa, uma empregada doméstica que cuidou a vida inteira do filho da família para quem trabalha. Agora que o jovem adulto vai se casar, ela deve atravessar o país e se mudar para a casa de outro membro da família. No caminho, uma série de obstáculos fazem com que ela fique um pouco mais, e conheça as pessoas ao redor, inclusive o simpático Gringo (Claudio Rissi).

    O AdoroCinema conversou com a veterana atriz sobre este papel, e aproveitou para falar sobre o cinema latino-americano e sobre a representatividade feminina nas produções - aproveitando que o drama é dirigido por duas mulheres, Cecilia Atán e Valéria Pivato:

    Divulgação

    Teresa tem uma relação muito especial com o filho dos patrões. Ela o trata seu próprio filho.

    Paulina García: De fato. Na América Latina, existe este tipo de espaço que não existe em nenhum outro lugar do mundo, que é o da empregada doméstica. Além de fazer a faxina, a comida, lavar a roupa e tudo o mais, ela serve como uma ajuda parental suplementar. Estas mulheres são essenciais na dinâmica da casa. A Teresa, no caso, viu este garoto crescer, desde pequeno, cuidou dele até a fase adulta. É impossível que não nasça uma relação de família, um carinho entre eles.

    O fato de Teresa ser tão silenciosa representou uma dificuldade para construi-la?

    Paulina García: Sim, este era o maior desafio! Personagens quietas como ela exigem mais concentração do ator, uma construção interna muito precisa e bem desenhada. A personalidade dela precisa ser extremamente clara para o ator, senão não se tornará clara para o espectador. É preciso que o público perceba as nuances no silêncio dela. O risco é parecer algo inexpressivo, simples demais, ou então dar a impressão de que se trata de uma pessoa ausente, desinteressada. Não é o caso da Teresa. Então se torna muito complexo entregar tantas informações ao espectador através do silêncio.

    Loic Venance / GettyImages

    A Noiva do Deserto parte do realismo social para algo mais lúdico. Diria que se trata de uma fábula?

    Paulina García: Na verdade, nunca percebi o filme como fábula, apesar de termos alguns elementos mágicos próprios à temática da santa. Mas a história nunca tem um contato real com o universo da magia. Por isso, não sinto que se trata de uma fábula, o drama apenas ganha em profundidade à medida que se desenvolve. Como a narrativa toca de perto num universo simbólico, próprio à santa e aos costumes locais, podemos ter a sensação de algo próximo do realismo fantástico. Mas para mim, permanecemos no drama.

    O encontro com Gringo é central para a trama. Considera a relação entre Teresa e Gringo como história de amor?

    Paulina García: Sim. Existe uma história de amor, é claro, mas o foco ainda é na possibilidade de encontros. Ela tem este contato com o Gringo, que propõe um horizonte com o qual ela jamais tinha imaginado, nem em sonho. O que acontece com ela durante um único dia é algo que nunca tinha acontecido em toda a sua vida. Então o Gringo funciona como uma porta libertadora para abrir novos caminhos, novos acessos. Este é um amor belo, furtivo, porém não definitivo.

    Divulgação

    Temos exigido cada vez mais uma representatividade feminina na frente das câmeras e atrás delas. Qual é a importância para você de ter sido dirigida por duas mulheres?

    Paulina García: Na verdade, o mais importante foi o encontro artístico com essas mulheres, é isso que realmente fez a diferença. Eu poderia ter sido dirigida por uma mulher sem realmente desenvolver uma troca artística, mas felizmente isso ocorreu com Cecilia e Valeria. O que senti desse encontro foi algo muito rico, e queria que também fosse um encontro entre diferenças, mais ou menos como acontece na história do filme.

    Acredito que a principal diferença, nestes casos, ocorre na equipe técnica. É igualmente importante ter mais mulheres nas funções técnicas, se impondo, participando do processo de criação. Vejo muitos casos em que os homens nas funções técnicas escutam pouco as mulheres, eles se colocam numa posição de autoridade. E as mulheres acabam acatando com ordens. Queria ver principalmente estas mulheres se impondo, porque minha comunicação com elas sempre foi melhor.

    O número de coproduções entre países latino-americanos tem aumentado a cada ano. De que maneira acredita que isso transforma nossas cinematografias?

    Paulina García: É verdade, o número tem sido cada vez maior. Mas com tudo que se passa na América Latina estes anos, sinceramente, tenho medo que isso não continue. Os países enfrentam tantos problemas políticos no momento, que não sei o que vai acontecer com este cenário cultural num futuro próximo. Mas temos que expandir as coproduções. Através do cinema, nós abrimos fronteiras e comprovamos a capacidade de fazer trabalhos potentes, trabalhando numa simbiose muito forte.

    É claro que toda coprodução implica conflitos e diferentes pontos de vista, mas isso é normal num trabalho artístico. De qualquer modo, temos mais habilidade para resolver nossos pontos de vista artísticos do que para resolver nossas crises políticas. Só posso esperar que as coproduções continuem.

     

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