O último dia 31 de maio marcou o Dia Mundial Sem Tabaco. Criado em 1987 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma estratégia mundial de conscientização sobre os danos à saúde, sociais e ambientais do tabaco com o objetivo de reduzir o número de vítimas do consumo de produtos de tabaco em todo o mundo. Mas o que o cinema tem a ver com isso? Muito. E não apenas o cinema, como toda a indústria audiovisual.
O cigarro sempre teve uma participação importante no cinema e na televisão. Já nos anos 20, o objeto surgiu como elemento que transmitia glamour e rebeldia e, muitas vezes, servia como metáfora para a relação sexual, como em A Carne e o Diabo (1926), com Greta Garbo. Na Era de Ouro de Hollywood, especialmente do final dos anos 30 ao início dos anos 60, o impacto foi potencializado e o fumo teve função quase que de protagonista na sétima arte. Bette Davis, Audrey Hepburn, Humphrey Bogart, James Dean e praticamente todos os grandes nomes do star system do cinema americano sempre foram vistos consumindo cigarro atrás de cigarro à frente das telas. Havia uma clara glamourização do fumo, contribuindo para a construção do comportamento e um aumento exponencial do número de fumantes adultos e jovens.
Não há como desvincular a popularização do cigarro do star system. Ainda que retratado anteriormente nas telas, o impacto da imagem cresce quando atrelada a nomes idolatrados pelo grande público, que sentia a necessidade de repetir o comportamento de seus ídolos, algo comum até hoje.
A partir dos anos 40 e 50, as primeiras pesquisas científicas sobre os malefícios do cigarro começaram a ganhar força e, ao final da década de 60, a comunidade científica no mundo todo já admitia os prejuízos à saúde causados pelo consumo do tabaco. Como resultado disso, a indústria da propaganda entrou pesado no negócio. Estima-se que, entre 70 e 90, a indústria tabagista tenha investido mais de US$ 1 bilhão apenas para inserir o cigarro em filmes, inclusive escolhendo quais atores apareceriam fumando e até intervindo nos roteiros. Ao mesmo tempo, na TV, campanhas celebravam o fumo como algo aventureiro e prazeroso, como a lendária série de propagandas do Cowboy da Marlboro, que anos depois acabou se voltando contra a companhia diante do fato de que alguns dos cowboys vieram a falecer por câncer pulmonar ou problemas respiratórios causados pelo cigarro.
Casablanca (1942), Uma Rua Chamada Pecado (1951), Juventude Transviada (1955), Bonequinha de Luxo (1961), Três Homens em Conflito (1966), A Primeira Noite de um Homem (1967), Chinatown (1974), Todos os Homens do Presidente (1974) e Grease - Nos Tempos da Brilhantina (1978) são apenas alguns dos inúmeros clássicos do cinema a contarem com uma presença quase que permanente do cigarro em cena, algumas vezes como mero elemento, mas quase sempre como objeto que potencializa o lado cool, aventureiro e durão dos personagens. Ao longo das décadas, o cinema foi usado como veículo de propaganda pela indústria do tabaco e, de fato, se mostrou um meio capaz de levar a imagem desejada pelas companhias à vida de um número muito significativo de pessoas.
Com o passar do tempo, especialmente com a chegada dos anos 90 e uma maior presença de uma legislação contra o tabaco por todo o mundo, tal cenário foi sendo modificado. Em 1997, uma lei americana proibiu o product placement de companhias de cigarro no cinema hollywoodiano. Isso não significa que cigarros não podem ser mostrados em tela, mas que estúdios não podem receber dinheiro para promover o produto em suas produções. Esta década final do século XX é retratada na comédia Obrigado por Fumar (2006), que trata justamente da indústria do lobby do tabaco, que tenta enfrentar legislações proibitivas. No entanto ainda é possível observar inúmeras produções nos EUA que exibem marcas comerciais de cigarros apesar desta proibição.
Uma outra forma de conter em Hollywood a exposição a imagens de cigarros foi com o cuidado de sua exposição para crianças e jovens nos filmes. Desde 2007, a Motion Picture Association of America (MPAA) usa a presença do cigarro como critério na definição da classificação etária dos filmes, como acontece com outros conteúdos como violência, consumo de bebidas alcoólicas. Um exemplo disso foi O Fantástico Sr. Raposo (2009), uma bela e simpática animação, onde o personagem principal é visto em cena fumando, o que subiu a classificação de livre para PG, que sugere a atenção de pais para conteúdos impróprios para crianças, não limitando no entanto o seu acesso. Tal preocupação não é irrelevante, uma vez que pesquisa do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) apontou que a exposição de crianças e jovens a filmes com cenas de fumo aumenta a chance de começarem a fumar e recomenda a restrição a filmes com estes conteúdos. No Brasil filmes com consumo de cigarros recebem recomendação de não recomendados para menores de 12 anos, segundo o Ministério da Justiça, ou seja, crianças a partir desta idade já tem podem ter acesso a estas cenas.
Hoje iniciativas como o Smoke-free movies debatem sobre a presença do cigarro no universo audiovisual e na sociedade tendo resultados positivos como, por exemplo, o estúdio The Walt Disney Company ter se comprometido a partir de 2006 a não mais incluir cenas de consumo de tabaco em filmes para jovens e crianças nas produções da Pixar, Walt Disney, Lucasfilm e Marvel. Essas inciativas de acompanhamento e pesquisas buscam estudar o tema pois embora tenha ocorrido uma diminuição na quantidade de imagens de cigarros nos filmes nas ultimas décadas, o acesso a crianças e jovens em grande parte deles ainda é possível.
O Brasil é reconhecido mundialmente pelo sucesso alcançado na redução consumo de tabaco, fator de risco para as doenças crônicas e não transmissíveis, o que colaborou para a queda de mortes por estas causas entre 1997 e 2007 de 20%. Porém em 2013, as DCNT foram a causa de aproximadamente 72,6% das mortes no país o que reforça a preocupação continua de proteger jovens de iniciar o tabagismo.
Se no passado a indústria do tabaco utilizava os filmes como ferramenta de marketing, hoje já há uma reflexão sobre a proteção do uso comercial das produções audiovisuais em promover um produto nocivo e letal. E a maior exposição de jovens e crianças a imagens de consumo do produto pode colaborar na imagem que constroem sobre esse comportamento, sendo hoje também uma preocupação, pois fumar nos filmes pode significar fumar na vida real.