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    Entrevista: Walter Salles fala sobre o filme Jia Zhangke, um Homem de Fenyang, apresentado no festival de Berlim

    O diretor explicou por que quis retratar a história e os filmes do cineasta chinês.

    No festival de Berlim 2015, Walter Salles apresentou seu novo filme, o documentário Jia Zhangke, um Homem de Fenyang. O filme acompanha a trajetória do cineasta chinês, cuja carreira é acompanhada por Salles desde a sua primeira obra. A recepção no evento alemão foi calorosa, dando origem a diversas críticas positivas. Leia a nossa crítica.

    Durante a Berlinale, o cineasta brasileiro conversou com a imprensa sobre o motivo que o levou a fazer um documentário, sobre a relação com Jia Zhangke e sobre a proximidade entre as culturas brasileira e chinesa. Descubra esse bate-papo abaixo:

    Encontro com Jia Zhang-ke

    "Eu soube do Jia aqui em Berlim, em 1998. Aí vi Um Artista Batedor de Carteiras, e fiquei impactado com o filme, sensibilizado pela maneira como a memória pessoal, traduzida no cinema, se mesclava com o registro uma de memória coletiva, que era a transformação do país na época. Essa sensação se aprofundou quando eu vi Plataforma, e mais ainda em O Mundo. Em Busca da Vida, para mim, é um marco no cinema contemporâneo. A partir deste filme, era evidente que o Jia Zhangke tinha se tornado um dos realizadores mais importantes do cinema moderno.

    Então eu tinha o interesse em acompanhá-lo, ver um pouco quais eram as raízes daquele cinema, e entender de onde ele era. Fenyang traz uma geografia física e humana muito específica, é um lugar onde se fala um dialeto totalmente diferente do mandarim. Jia é um realizador em fronteiras dentro do seu próprio país. Além do talento imenso dele, existe este olhar específico".

    Ideia do filme

    "Durante um debate que tivemos na Mostra de São Paulo, criou-se uma relação que desaguou na ideia do filme e do livro. O projeto nunca deixou de existir, mas Jia sempre estava filmando, ou eu estava filmando. Mesmo assim, a ideia nunca foi questionada. De qualquer maneira, foi bom ter demorado um pouco, porque a obra dele se tornou mais ampla. O projeto original nasceu em 2007, e nós filmamos entre 2013 e 2014. Mas as coisas demoram mesmo quando se faz cinema!"

    Censura na China

    "Os três primeiros filmes do Jia Zhangke não foram filmes oficiais, e não puderam ser projetados nos cinemas. Eles só tiveram uma repercussão, ironicamente, graças à pirataria. A partir de O Mundo, ele recebeu a autorização oficial para filmar. Até Memórias de Xangai, os seus filmes chegam aos cinemas chineses. Um Toque de Pecado inverte de novo essa equação. Mas essa barreira não me parece intransponível, tanto que Jia está filmando de novo, uma história retomando os personagens de Plataforma".

    Filmagem

    "Nós éramos apenas quatro pessoas na equipe. Mas o próprio Jia Zhangke abraçou a ideia desse filme, e foi nos possibilitando atravessar situações, franqueando o acesso a lugares para os quais não tínhamos autorização. A cena naquela mina, por exemplo, foi decidida em cinema da hora... Nós tivemos livre trânsito na cidade de Fenyang, onde ele é constantemente conhecido, como amigo. As pessoas têm admiração pelo fato de que um filho de Fenyang tenha tido tamanho conhecimento no mundo do cinema. Ele é um homem de extrema simplicidade, e por isso ele está à escuta do seu tempo".

    Lembranças de cinema

    "A gente pediu que ele voltasse aos locais de filmagem, porque buscamos a camada adicional da memória da filmagem. Estes lugares não são mais os mesmos, eles mudaram. Quando conversamos sobre o filme com o Jia Zhangke, ele nos disse para fazer como quiséssemos. À medida que filmamos, ele acrescentou elementos que iam nesse sentido, como a questão da relação com o falecido pai. Esta é uma memória afetiva ligada à memória dos filmes dele. Ele disse: 'Eu nunca pude dizer tantas coisas a ele, mas talvez seja isso a relação entre pai e filho'. Isso sempre me impactou nele, o fato de sempre dizer 'Talvez isso possa ser assim'. Ele sempre relativiza as coisas, não dá uma definição apressada das coisas. Isso caracteriza tanto o homem quanto os filmes que ele construiu".

    Questões de língua

    "A gente tinha sempre um intérprete que traduzia o que o Jia falava para o francês, porque a assistente do gerente de som era formada na Bélgica. Ela fazia a tradução, e quando não traduzia, era porque estava profundamente emocionada com o que estava sendo dito, então era um termômetro perfeito para o filme em construção! Na entrevista dentro do trem, feita pelo Jean-Michel Frodon, ele tinha a tradução simultânea que permitia momentos de respiração, naquelas três horas de viagem entre Fenyang e Pequim".

    Um filme brasileiro em chinês

    "Jia Zhangke, um Homem de Fenyang foi feito por uma equipe não só de brasileiros, mas de latino-americanos. É claro que tem um olhar que só pode ser nosso neste filme, mas ele também pertence a uma família, ao mesmo impulso que tive, no passado, de fazer um filme sobre o Krajcberg, O Poeta dos Vestígios. É o desejo de falar de alguém cuja obra me impactava profundamente, e eu queria saber mais, tanto sobre a obra do que quanto a pessoa que a arquitetava. Neste caso, o Krajcberg estava ali em Nova Viçosa, e nós fomos para vários lugares do Brasil com ele. Aqui, a gente foi um pouco mais longe, para Fenyang! Mas o impulso é o mesmo.

    O próprio Jia disse: 'Nós não somos estrangeiros. Nós fazemos parte do mesmo mundo, que é o mundo do cinema'. Inegavelmente, somos de países que estão sofrendo um processo de transformação aceleradas, com os mesmos processos de migração interna... Da mesma forma, a erupção de violência de Um Toque de Pecado me pareceu muito próxima".

    Próximos passos

    "Antes de Berlim, o documentário já foi apresentado em São Paulo, Roma e Tóquio, e agora segue a rota de festivais. Hoje, no fim da sessão em Berlim, fomos convidados para o festival de Istambul, onde eu sempre quis ir. O filme também passa em março no festival internacional de Hong Kong, e recebeu convites de festivais na França, na América Latina... À medida que o filme vai sendo visto, ele recebe novas propostas. Já o livro recebeu possibilidades de impressão na França, nos Estados Unidos, na China e no Japão. No Brasil, Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang chega aos cinemas no mês de abril".

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