É um soco no estômago. Ou seria no saco mesmo? Os seres humanos perfilados no filme de estréia do diretor pernambucano Claudio Assis formam um verdadeiro painel sociológico. Não significa, é importante que se frise, que o filme tenha uma pecha ideológica. Em momento algum, felizmente, o roteiro tenta olhar os personagens num prisma leninista-trotskista. O mosaico de tramas pararelas que confluem no final para uma única, semelhante a vários filmes de Robert Altman, numa Recife classe média baixa, é o que vemos no filme. Num espaço de 24 horas, a dona de um boteco (Leana Cavalli), um trabalhador de um abatedouro (Chico Dias), um cozinheiro de hotel fuleiro (Matheus Nachtergaele) e um necrófilo sado-masoquista (Jonas Bloch) terão suas vidas interligadas. A dona do boteco sonha com o príncipe encantado e só lida com um bando de bêbados no seu trabalho. O trabalhador do abatedouro respeita sua esposa que é crente (Dira Paes), porém tem um caso amoroso extra-conjugal. A esposa deste que é uma crente de carteirinha, ao saber da traição do marido, solta os seus demônios na cama com o necrófilo. O filme aponta para uma crise de valores que já de algum tempo invadiu a nossa sociedade. É um filme-denúncia não ideológico. Mostra as nossas chagas sem anestesia alguma. É uma cacetada. Fiquei reparando no desconforto vertiginoso que algumas das pessoas que estavam na mesma sessão que eu demonstravam a cada cena "forte". Eis um roteiro que Nelson Rodrigues assinaria se ainda estivesse vivo.