A Mulher no Jardim marca o reencontro entre o diretor Jaume Collet-Serra e a atriz Danielle Deadwyler após o sucesso de Bagagem de Risco, um dos filmes mais assistidos da história da Netflix. Jaume, conhecido por navegar com certa fluidez entre gêneros – do terror de A Órfã ao blockbuster como Adão Negro –, retorna aqui a uma proposta mais intimista e psicológica. O diretor já demonstrou talento na construção de atmosferas tensas e visuais imersivos, mas neste novo projeto, sua ambição conceitual acaba sabotando o próprio filme. Danielle Deadwyler, por sua vez, continua sua ascensão meteórica. Após o destaque em Piano de Família, onde foi amplamente reconhecida como coadjuvante, ela assume aqui um papel central com segurança e entrega uma performance intensa, emocionalmente densa e com momentos de pura visceralidade. Infelizmente, nem sua atuação inspirada é capaz de sustentar o longa diante de um roteiro cada vez mais desgovernado.
A premissa inicial é promissora. Um ambiente isolado, uma mulher lidando com a solidão e o silêncio, e uma figura misteriosa no jardim que parece esconder segredos profundos. A escolha de situar a trama em um cenário desconectado do mundo moderno – onde não há acesso fácil à informação nem contato com outras pessoas – é inteligente, pois cria um clima de tensão contida que remete a thrillers psicológicos mais clássicos. Por um breve momento, o filme parece caminhar para algo realmente assustador. No entanto, à medida que o roteiro revela seu verdadeiro foco, a narrativa abandona o terror tradicional e mergulha em um simbolismo conceitual que pode alienar parte do público.
Ao invés de investir no mistério e na figura da mulher no jardim como um elemento perturbador, o filme opta por uma abordagem mais abstrata e introspectiva, tentando simbolizar, através do suspense, temas como luto, depressão e maternidade. É uma escolha ousada, mas que exige precisão na execução — e é aí que reside o maior problema da obra. O roteiro se perde em suas próprias ideias, e a direção de Jaume não consegue sustentar a complexidade emocional e simbólica que propõe. O que era para ser uma metáfora poderosa sobre a dor e a perda acaba soando confuso, às vezes pretensioso, e raramente eficaz.
A metade do filme já entrega muito do que ele quer dizer, e essa antecipação de sentido compromete o impacto emocional do terceiro ato, que deveria ser o momento de maior carga dramática. As reflexões sobre o trauma e o enfrentamento da dor são válidas, mas o longa opta por explicá-las de forma excessivamente didática no final — como se temesse que o público não captasse suas intenções. Isso torna o desfecho não apenas previsível, como frustrante. A tentativa de construir um final emocionalmente poderoso é sabotada pela necessidade de explicar demais, esvaziando o impacto da jornada da protagonista.
Ainda assim, há qualidades técnicas que merecem ser elogiadas. A fotografia de Pawel Pogorzelski, o mesmo de Midsommar e Hereditário, é novamente um trunfo visual. Sua capacidade de transformar espaços simples em ambientes opressivos e visualmente ricos contribui significativamente para a atmosfera do filme. Jaume, com sua direção segura, cria momentos de verdadeira claustrofobia e tensão — especialmente no primeiro ato —, mas falha ao manter essa intensidade até o final. A sensação que fica é de que o filme começou com um norte claro, mas foi se perdendo ao tentar carregar mais camadas simbólicas do que sua estrutura poderia suportar.
No fim das contas, A Mulher no Jardim é uma obra que se afasta cada vez mais do terror convencional para abraçar o psicológico, mas sem encontrar o equilíbrio necessário entre forma e conteúdo. É um filme que quer dizer muito, mas que se comunica mal; que tem ideias potentes, mas falha na entrega. Danielle Deadwyler é, sem dúvidas, o maior acerto da produção — sua entrega é honesta e poderosa —, mas não é suficiente para impedir que a experiência como um todo se dilua em confusão e frustração. O resultado é uma obra que deixa claro o potencial de todos os envolvidos, mas que infelizmente nunca atinge o que promete.