O filme "Tranze" se propõe a retratar o clima político do Brasil em 2018, tentando mostrar que aqueles que votaram em Bolsonaro foram doutrinados ou são pessoas ruins. No entanto, a forma como a narrativa se desenrola enfraquece essa tese e levanta questões sobre a construção dos personagens e a profundidade das discussões apresentadas.
O único bolsonarista com destaque na trama é João, que, ao expressar sua opinião, faz com que a protagonista peça um Uber. A cena sugere uma intolerância por parte dela, mas a ironia está no fato de que o próprio João é o motorista e a leva para casa. Ao chegarem, outros personagens entram na conversa, o que inicialmente parecia prometer um debate mais aprofundado sobre o cenário político da época.
Durante a discussão, João afirma que Bolsonaro não pioraria a situação do país:
Ravel, tocando violão, levantou a cabeça:
— E as armas?
João concordou com a política de armamento e explicou seu ponto de vista com calma, mas Ravel desviou o foco:
— Mas ele é racista, cara. Você é preto e o cara é racista!
João retrucou sem se alterar:
— Todo branco é meio racista, né? — disse, olhando para Ravel.
Luisa, que ouvia em silêncio, resolveu opinar:
— Ele vai governar para os ricos, com certeza.
João manteve o tom tranquilo:
— Então por que você acha que tem tanto pobre votando nele?
Ravel bufou:
— É por causa da igreja evangélica, cara. O pastor fala "votem no Bolsonaro" e o cara vota.
João discordou:
— Nem todo mundo. Eu vou votar no Bolsonaro porque eu quero.
Johnny, que observava a conversa, olhou para ele:
— Mas você é evangélico?
João retribuiu o olhar e perguntou:
— Por quê? Você tem preconceito?
O filme tenta apresentar João como um exemplo de extremismo de direita, mas ele acaba sendo o personagem mais equilibrado na cena. Depois disso, ele some do filme, enquanto Ravel ainda briga com Luisa por ter levado alguém que pensa diferente. No fim, até Luisa reconhece que João é uma boa pessoa e que eles estavam sendo preconceituosos com ele.
Outro momento que exemplifica a superficialidade do filme é a cena do debate na TV. Enquanto os personagens assistem ao evento político, estão simultaneamente fazendo um mapa astral dos candidatos para decidir quem "tranza melhor". O que poderia ser um momento para discutir temas relevantes se perde em diálogos fúteis.
Além disso, o filme está repleto de cenas de sexo e consumo de drogas que não contribuem para a trama, tornando o cotidiano dos protagonistas confuso e mal contado. Um comentário de um espectador identificado como guisreis15 resume bem essa questão: "Eles têm todos os traços da caricatura do que é a esquerda aos olhos dos conservadores mais tacanhos: usam drogas, são bissexuais e têm um caso amoroso assumido, não querem filhos e têm uma estrutura familiar muito diferente da convencional, estão alheios aos problemas do cotidiano e da vida das classes baixas, festejam e cantam o tempo todo e nunca são vistos trabalhando ou estudando, querem um mundo melhor mas têm uma compreensão confusa e esotérica sobre política e sociedade." Essa representação, em vez de fortalecer o discurso progressista, pode acabar reforçando estereótipos que enfraquecem a mensagem do filme.
Além de retratar de forma equivocada o período político, o filme falha em demonstrar a urgência da eleição de Bolsonaro e seus impactos sociais. A tentativa de sugerir que o governo reprimiria o relacionamento da protagonista também se prova infundada, já que, na vida real, seu relacionamento com Caio continuou até o final de 2024. No fim, "Tranze" não só deixa de capturar a gravidade do momento histórico, como também constrói uma narrativa rasa, com personagens mal desenvolvidos e diálogos que falham em transmitir qualquer impacto realista sobre os eventos de 2018.