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    O Exorcista - O Devoto
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    O Exorcista - O Devoto

    O que acontece quando um exorcismo falha?

    por Diego Souza Carlos

    Existem diversos movimentos em fluxo intenso na indústria cinematográfica. Entre as ondas recentes estão produções que revitalizam franquias do passado a fim de conquistar novas audiências e atrair lucros. É sempre uma aposta, com ganhos ou perdas consideráveis. Assim como inúmeros projetos que conseguiram chegar à fase final - o público na sala escura -, O Exorcista: O Devoto, porém, falha ao tocar no legado do cinema de terror de maneira imprudente.

    Sequência do clássico de 1973 sobre uma menina de 12 anos que é possuída por uma misteriosa entidade demoníaca, forçando sua mãe a buscar a ajuda de dois padres para salvá-la, a história atualiza o conto de terror visto há cinco décadas. Nesta nova versão, o diretor David Gordon Green, de Halloween e A Vida Sexual das Universitárias, apresenta a história de Victor Fielding (Leslie Odom Jr.), fotógrafo que tem criado sua filha Angela (Lidya Jewett) sozinho desde a morte da esposa em um terremoto no Haiti.

    Quando a jovem garota e sua amiga Katherine (Olivia O’Neill) desaparecem na floresta e retornam três dias depois sem memória do que aconteceu, isso desencadeia uma série de eventos que obrigará Victor a confrontar o mal e, em seu terror e desespero, buscar a única pessoa viva que testemunhou algo parecido antes: Chris MacNeil.

    O Exorcista encara os próprios demônios

    Depois de cinco filmes e uma série prévia ao projeto conduzido pela Blumhouse, O Exorcista - O Devoto tenta fazer um exercício de olhar para a própria trajetória e responder questões de um novo mundo. Isso acontece décadas após empreitadas que amargaram a narrativa criada por William Friedkin a partir da obra de William Peter Blatty.

    Com tentativas mal-sucedidas, das quais podemos citar Exorcista - O Início (2004) e Domínio: Prequela do Exorcista (2005), chegou, enfim, o momento de encarar o século XXI de frente. Uma batalha perdida, já que a saga de terror ressurge em 2023 perdendo a oportunidade de compreender a transformação da sociedade e reafirmar a própria relevância sob o manto da pós-modernidade.

    O passo inicial, em tese, foi apresentar o primeiro protagonista negro da franquia e já inserí-lo, nos primeiros segundos de tela, em um país que não sejam os Estados Unidos. Em segundo, tenta-se abraçar uma nova perspectiva sobre a prática que dá nome à série, ou seja, logo o público deve ouvir e aprender que exorcismos são parte não apenas do cristianismo, mas estão inseridos na história de inúmeros povos e culturas.

    Entre as novidades, existe a inserção de religiões de matrizes africanas. Sem grandes explicações e, eventualmente, de maneira estereotipada, essas culturas são colocadas em exibição sem realmente serem aprofundadas e, em determinados pontos, parecem até ter uma relação com aspectos negativos do longa - algo desmistificado sem grandes esforços no desfecho.

    Em teoria, essas questões parecem interessantes, já que propõem, sim, expandir a visão de mundo sobre uma das propriedades intelectuais mais importantes da cultura pop, que tem o medo como alimento e a complexa mitologia como chafariz. No entanto, O Devoto peca em apresentar essas ideias com um falso ar de inovação.

    Perspectivas batidas

    A trama, por exemplo, poderia utilizar o processo de luto dos personagens para conduzir uma narrativa profunda, a partir de conexões reais com os fãs. Há muitas histórias do cinema recente que conseguem criar analogias ricas ao somar tragédias humanas com o horror. Em uma lista extensa, temos produções como Hereditário, Midsommar, Fale Comigo, Sombras da Vida, entre outros.

    Nesta toada, o longa não consegue dar uma boa jornada ao seu protagonista e nem sabe o que fazer com ele. Victor é condicionado o tempo todo a ceder às provocações vindas de todos os lugares, para que enfim se torne “o devoto” e salve sua filha, mas nem mesmo o público consegue se conectar com os apelos de um roteiro confuso.

    Partindo de um trabalho claramente picotado, muitas sugestões e personagens pouco explorados são colocadas na mesa durante as pouco mais de duas horas de filme. Fruto do trabalho de um time de cinco roteiristas, Peter Sattler (Marcados Pela Guerra),Scott Teems (Sobrenatural: A Porta Vermelha), Danny McBride (Halloween Kills - O Terror Continua) e o próprio diretor David Gordon Green (Halloween Ends), é fácil pensar como o conceito de “menos é mais” é precioso.

    Legado de O Exorcista

    Em uma tática convincente para trazer os fãs de longa data aos cinemas, o projeto não conta apenas com novos personagens, mas reintroduz um dos rostos mais conhecidos da franquia: Ellen Burstyn, intérprete de Chris MacNeil, a mãe de Regan (Linda Blair). Sua presença na trama, no entanto, não faz jus à trajetória da própria personagem. Apesar de ter bons momentos em cena, a função da ex-atriz e hoje especialista em exorcismos é apenas apresentar o universo da franquia ao protagonista, enquanto atualiza os fãs dos acontecimentos posteriores à sua última aparição em tela.

    Tratando-se de legado, O Exorcista - O Devoto não tenciona apenas um enredo atribulado, mas discorre em um conjunto de sequências que até tentam homenagear a saga sobrenatural em alguns atos, mas soam apenas vazias. A primeira cena do projeto, inclusive, faz referência aos sinais malignos que rondam a trama original. Todavia, esse aceno ao passado é colocado ali puramente para tentar impressionar.

    Durante as quase 2h até o derradeiro desfecho, percebe-se que a ambientação proposta por David Gordon Green fica muito aquém do projeto original. O elenco é talentoso e criam auras empáticas com seus personagens, em uma tentativa de entregar algo além do proposto no script, mas não há passagens que colaboram com a construção de atmosfera sombria para além do genérico. O mal iminente não está tão à espreita quanto já foi um dia.

    Conhecida por seus momentos perturbadores, a série de terror conta com algumas das sequências mais emblemáticas da história do cinema. Muito do que foi reproduzido em salas escuras na década de 1970 foi feito a partir de mentes singulares que tentaram contar histórias com poucos recursos, mas uma gama extensa de criatividade. Em mais uma inevitável comparação, os momentos de clímax desta sequência são tudo o que não deveriam: truncados e desconexos com o todo.

    O interessante de histórias sobre exorcismo é ver como pessoas conseguem combater forças demoníacas com uma junção supostamente simples de palavras e uma forte determinação. Em qualquer situação de caos, isso já seria um baita feito. É uma pena que O Exorcista - O Devoto, lançado em um ambiente propício para se aproveitar dos terrores do novo mundo, não soube dizer as palavras certas e não teve força o suficiente para expulsar os demônios da incoerência.

     

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