Minha conta
    Sete Anos em Maio
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Sete Anos em Maio

    Do Brasil para o Brasil

    por Laysa Zanetti

    Assim como ArábiaSete Anos em Maio tem um objeto de estudo específico; estamos falando aqui de uma classe social marginalizada, que é tratada sempre com truculência, escanteada, violentada. Affonso Uchôa continua costurando seu cinema no entorno desta mesma narrativa e deste mesmo objeto de estudo, construindo não apenas uma temática fluida e sempre com acréscimos, como também tocando nas feridas com delicadeza, sem amaciar a história que conta e de forma a escancarar o verdadeiro problema.

    O apagamento das vozes marginalizadas fica escancarado da primeira cena deste média-metragem de 42 minutos à última, sobretudo na fotografia e nas escolhas da direção. Uma longa cena de caminhada com a fotografia propositalmente escura deixa clara uma inicial mistura de ficção com documentário que dá o tom desta investigação da falência do Estado e da forma como o desaparecimento jamais é questionado, jamais é posto em xeque. Affonso Uchôa está menos interessado nos arredores e mais interessado na história propriamente dita. Boa parte da trama é preenchida somente pela narração de Rafael dos Santos Rocha, este iluminado apenas por uma fogueira, com o rosto parcialmente visível e a sua voz servindo como o único guia que temos.

    Neste sentido, milícia, violência, tráfico de drogas e dependência química entram em pauta em uma história que coloca em frente ao público a narrativa do oprimido, não apenas uma ótica estritamente necessária como também trazendo uma estética que deixa escancarada a universalidade da trajetória de Rafael. “Já passei por tanta coisa que quase toda história que eu ouço parece a minha”, diz seu colega em um dos trechos finais do filme, pouco antes de o filme tomar novamente rumos que, em termos de signos e escolhas textuais, toma rumos que mesclam a ficção e o documental para dizer muito sem ter que vociferar o óbvio.

    Parte do trunfo de Sete Anos em Maio está na decisão certeira ao fazê-lo como um média metragem, sem que o desenvolvimento da história jamais tome o espaço que deve ser dedicado não exatamente ao que aconteceu, mas à reflexão sobre a política de extermínio, à denúncia que é feita sem que jamais o amparo estético perca a essência e o espaço necessários.

    Mais do que nunca, Sete Anos em Maio conversa com o Brasil atual e diz o que deve ser dito, com simplicidade, eficácia e um diálogo entre a direção, a fotografia e o texto que apenas reafirmam a grande potência de Affonso Uchôa.

    Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.

    Comentários

    Back to Top