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    Pieces of a Woman
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Pieces of a Woman

    O feminino e o imensurável

    por Barbara Demerov

    Há diversos filmes que abordam a perda de um filho sob a ótica dos pais, mas são poucos os que observam o ato de tal tragédia enquanto combinam a magia de um momento importante - o parto - com o espanto da perda. Pieces of a Woman faz exatamente isso e talvez seja o único filme até hoje a mergulhar de modo tão profundo neste momento extremamente difícil de se explicar - e mais difícil ainda de se assistir. A partir daí, todos os desdobramentos da narrativa terão uma sombra dolorosa.

    Em uma longa tomada de aproximadamente 25 minutos, o diretor Kornél Mundruczó faz com que o espectador se sinta na mesma casa em que Martha e Sean, casal interpretado por Vanessa Kirby e Shia LaBeouf, irá receber sua primeira filha. Com a câmera navegando por entre os cômodos, somos transportados não só para o local como também para o parto, para as emoções sentidas especialmente pela mãe: surpresa, dor, ansiedade, calmaria, medo... e mais surpresa. Nunca saberemos a sucessão dos sentimentos causados após a perda repentina da bebê, mas é possível sentir seus ecos a partir do corte e da tela preta que apresenta o título do filme.

    Inclusive, é curioso que o título Pieces of a Woman apareça somente após meia hora de duração. Talvez seja um meio de mostrar o exato momento em que Martha se quebrou diante de uma perda tão significativa. E apesar de não haver mais quebras tal qual a do título, o espectador inevitavalmente passa a acompanhar a vida de Martha e Sean, já que o filme utiliza a ferramenta de passagem de tempo aproveitando sempre o mesmo cenário: uma ponte em construção, que se assemelha a um tipo de ruptura, um longo espaço entre o que está sendo construído e o que um dia irá existir. Mais uma metáfora para o estado mental de Martha.

    Diante de um personagem tão poderoso, não é nem preciso dizer o quão impressionante é a atuação de Vanessa Kirby. Martha não só vivenciou apenas um sopro como mãe da pequena Yvett como agora precisa lidar com sua própria mãe, que possui boas intenções mas não as demonstra da melhor forma. Através dos atritos desta relação, existe o elo de maternidade que o filme sempre toca de forma certeira, especialmente por conta do ótimo casting de Ellen Burstyn. Aliado a isso, temos a relação de Martha com Sean, que torna-se cada vez mais degradante diante da ausência de tato e empatia por parte do parceiro. O filme dá atenção à aflição do parceiro, mas sempre deixando claro o quanto sua dor não é capaz de justificar as decisões erráticas que toma.

    Martha, por outro lado, sofre por boa parte do tempo em silêncio - tanto que, em muitos momentos, a própria personagem se "apaga" para que as pessoas à sua volta falem mais, apareçam mais. É como se a sombra da tragédia fosse tão grande que a mulher tivesse sucumbido ao sofrimento, já que não tem para onde fugir. Em uma das melhores cenas de Pieces of a Woman, Martha ronda a sala de estar de sua mãe, como um fantasma, até chegar ao ponto de ebulição, onde sua perspectiva se modifica um pouco de forma positiva. Kirby distribui tão bem seus momentos de aparente calmaria com os de puro desespero que é até possível prever quais serão os próximos atos de sua personagem. Martha diz muito sem palavras e o resultado é realmente devastador.

    Pieces of a Woman traz uma história tão feminina quanto universal, seja expondo o vazio que fica em um corpo que não se preparou para ficar sozinho como também trabalhando a continuidade da perda. Tudo isso de forma genuína, fazendo com que a protagonista também veja os reflexos em relacionamentos despreparados - uns com capacidade de recuperação, outros não - e na possibilidade de obter justiça diante do que aconteceu. É simbólico notar que a única pessoa que enxerga a perda de um filho como algo inestimável seja a própria pessoa que a vivenciou, mas o fato é que o silêncio de Martha já dizia isso desde o princípio. É como se ela sempre estivesse preparada para se quebrar e juntar seu pedaços novamente.

    Filme visto durante o Festival de Toronto, em setembro de 2020.

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    Comentários

    • Cecéu Carvalho
      Cada um de nós é um universo em si. Cada um vivencia suas dores e sofrimentos de acordo com seus condicionamentos culturais, personalidades únicas e níveis de compreensão que podem transcender ou não os limites do mecanismo corpo-mente. Não houve falta de empatia de Sean, como sugere o crítico acima, já que seu sofrimento era obviamente profundo, apenas expressava à sua maneira. Mas muito do drama passa pela cultura materialista ocidental, onde o corpo é mais valorizado que o espírito e, de fato, este não tem nem mesmo lugar para considerações. Isso se revela claramente no final, quando Martha se dá conta de que não houve culpados, que foi um acidente de percurso como tantos outros - que, menos trágicos e impactantes, deixamos passar batido -, para só então entrar em sintonia com seu espírito/consciência, se livrar, literalmente, do peso morto que a corroía e seguir em frente. O filme é belíssimo, a direção extremamente sensível e as interpretações são de alto nível, mas Vanessa Kirby é um show à parte. Imperdível!
    • Deivid Braz
      Poucos filmes retratam o processo de luto a partir de uma visão intimista e pessoal de cada um que elabora, explora e vive a sua dor. Pieces of a Woman dialoga intimamente com a dor de Martha e ainda faz um passeio pela verdadeira Odisseia do luto que essa mulher em pedaços passa. Além de tocar em feridas que doem nas pessoas do circulo social de Martha e seu marido , o drama do casal cineasta Kornel e Kata assumem um compromisso com o relato da dor e como cada um de nós vive - e sobrevive - às perdas. Nada se compara aquela sequencia inicial com uma tomada unica do parto retratando Vanessa Kirby, a interprete de Martha, em uma atuação visceral, crua e persuassiva. Pode até parecer que os cineastas não sabem onde ir com a sequencia pós-parto, mas o fato é que a experiencia pessoal do casal cineasta transgrediu o papel e aterrissou em uma jornada necessária e intima que só potencializa quando Kirby dá vida a Martha. É Kirby quem dá o nome ao filme! Ela é a essencia, a teoria e o sentido de tudo. Sua atuação explora desde os silencios mais profundos até as lagrimas corroedoras que , literamente - ou não -, despedaçam essa mulher. Espero que o Oscar venha para Kirby! É uma das melhores atuações do ano! Vale a pena assistir, mas planeje o tempo para fazer suas pausas, Pieces of a Woman é duro , mas essencial de assistir.
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