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    Dente de Leite
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Dente de Leite

    Romance às avessas

    por Barbara Demerov

    A protagonista de Dente de Leite sofre de câncer, mas só descobrimos isso após cerca de meia hora de filme. Antes disso, conhecemos Milla (a ótima Eliza Scanlen) como uma simples adolescente que ama música e tem pais carinhosos, sempre presentes. O que Shannon Murphy executa logo nas cenas iniciais é tornar o que poderia ser apenas um drama numa história de amor, com foco em tudo o que será ocasionado pelo fato de Milla conhecer o conturbado Moses (Toby Wallace) em uma estação de trem.

    A partir deste encontro inusitado, este é o fato que mais importa no enredo - mais do que o câncer da garota em si. Quando a relação entre Milla e Moses evolui para o nível dele frequentar sua casa, seus pais Henry (Ben Mendelsohn) e Anna (Essie Davis) não a encaram com bons olhos. É só após isso que a doença é apresentada ao espectador; mas tudo é feito sutilmente, com a delicadeza da diretora em nos mostrar com gestos, e não com palavras, a situação que Milla se encontra. Ela corta seu cabelo com Moses num ato de rebeldia e, só então, entendemos que esse é também um ato que já teria que acontecer de toda forma.

    Aliado ao excelente trabalho de fotografia, que mescla cores frias com quentes como se elas dissessem como os personagens estão se sentindo, Dente de Leite administra bem todas as tramas que busca conectar. O filme não é só de Milla: seus pais ganham bastante atenção do roteiro enquanto casal e enquanto indivíduos, seja quando precisam lidar com a enfermidade da filha ou do próprio casamento, com incertezas e questionamentos. Da mesma forma que este também é um filme sobre vício em drogas (lícitas ou ilícitas), temática que ganha um arquétipo drástico através de Moses, que fora expulso de casa pela própria mãe devido à sua condição.

    Mas é claro que o cerne da história se encontra na jovem protagonista, personagem esta que capta tudo ao seu redor e ao mesmo tempo orbita em seu mundo particular. É curioso como Milla parece ter mais entendimento da própria situação do que aqueles à sua volta, e também como consegue separar o câncer e seu tratamento de sua personalidade alegre. Tendo em vista a fase da adolescência, o ápice de experiências malucas e de grandes aprendizados, é impossível não se deixar cativar pelo espírito cheio de vida que Milla esbanja, mesmo enfrentando tantos problemas.

    Ao mesmo tempo que trabalha num ritmo de estilo coming of ageDente de Leite possui todos os altos e baixos de uma adolescência comum, mas conta com a impactante adição de uma doença terminal, o amor proibido regado à má conduta do "príncipe encantado" da protagonista e, mais do que tudo, o apoio e comanhia dos pais. O que poderia ser apenas mais uma história de amor na adolescência tranforma-se em uma série de oscilações imperfeitas, assim como é a vida real.

    Filme visto durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.

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