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    Os Últimos Dias de Copacabana Jack
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Os Últimos Dias de Copacabana Jack

    Rádio-cinema

    por Bruno Carmelo

    É curioso pensar que, se não fosse pelo som, este seria um drama bastante comum. Nosso protagonista (Armando Pahl), um homem solitário que não pronuncia uma palavra sequer, passa os dias em casa, tomando seus remédios, cortando pedaços de carne, fazendo exercícios físicos. No entanto, um aparelho de rádio ligado durante a maior parte da narrativa anuncia a presença de um serial killer solto pelo Rio de Janeiro. “Pacotes de sangue” são encontrados por todos os lados, sem que a polícia consiga identificar a procedência da carne. O tom é digno dos programas sensacionalistas, enquanto a trilha sonora reforça o suspense e acena ao terror.

    Aos poucos, pela insistente sobreposição da montagem, somos levados a crer que nosso protagonista é o responsável pelos crimes - até porque não existe nenhum outro personagem minimamente desenvolvido em toda a trama. O diretor Rob Curvello aposta no efeito Kuleshov: pela alternância entre imagens do homem solitário e registros sonoros do assassino em série, somos levados a coincidir os dois, ainda que não haja prova desta intuição. A quase totalidade do projeto é baseada na repetição obsessiva destes estímulos: homem em casa + som de jornalista falando sobre o caso dos pacotes + homem em casa + jornalismo espetacular sobre o crime… A narrativa se repete, mas não se desenvolve - chega a causar espanto a ideia de que o material tão magro fosse suficiente para rechear um longa-metragem.

    Enquanto isso, o confronto de linguagens poderia provocar um ruído interessante: por um lado, testemunhamos o estilo quase documental das pessoas pelos bares e pela orla de Copacabana, e por outro lado, acompanhamos a trama fortemente fictícia do ataque às mulheres. Ora, o potencial se dilui quando a morte é reduzida a fetiches: logo após apresentar uma cidade cheia e iluminada, as mulheres são atacadas em ruas convenientemente vazias. Nenhuma vítima se torna personagem: elas são corpos descartáveis, casos exemplares. O projeto jamais demonstra interesse em refletir sobre a impressão de insegurança, sobre a violência crescente, sobre o aspecto predatório da mídia nem sobre a mente dos psicopatas - aliás, a sugestão de um trauma na infância é particularmente simplória.

    Os Últimos Dias de Copacabana Jack tampouco reflete sobre a obra de Artur Barrio, artista citado nos letreiros finais, e mencionado na sinopse oficial da produção. O projeto não sabe se faz da relação com as “trouxas ensanguentadas” de Barrio seu tema principal ou se guarda a surpresa para o espectador, de modo que não percorre nenhum dos dois caminhos. O trabalho conceitual com pedaços de carne é despejado como um “post scriptum” ao final, sem que se reflita sobre o valor desta iniciativa, nem sobre a sua relação com os tempos de hoje. Ao mesmo tempo, o trabalho do artista não dialoga com a ficção precedente, que evita a discussão sobre intencionalidades, procedimentos e recepção do público. Curvello está preocupado demais em criar a imagem de um possível assassino para discutir sobre um possível artista.

    Deste modo, o contraste entre som e imagem, que poderia gerar uma dissonância frutífera, soa como ferramenta para ocultar deficiências de produção - é muito mais fácil incluir uma voz em off comentando a investigação criminal do que mostrar o mínimo desenvolvimento desta perícia. O som acrescentado posteriormente é o único elemento que permite à narrativa avançar - este é um curioso caso em que a narrativa surge na pós-produção. Os repetidos planos aéreos da praia e as imagens frontais dos mesmos bares não ajudam, sem falar na tentativa pretensiosa de lançar frases filosóficas no início ou citar Nietzsche no meio da trama. O projeto nunca se decide entre imergir no prazer do filme de gênero e se distanciar via metalinguagem, entre investir no estímulo às sensações ou no estímulo ao intelecto. No final, decepciona em ambas as vertentes.

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