"Mamonas Assassinas: O Filme" (2023), dirigido por Edson Spinello e roteirizado por Carlos Lombardi, apresenta um olhar sobre a vida e a carreira meteórica dos Mamonas Assassinas, uma das bandas mais irreverentes e populares da história do rock brasileiro. Ao retratar a trajetória do grupo, desde sua formação em Guarulhos até a trágica morte de seus integrantes em 1996, o filme se propõe a celebrar a energia e a irreverência que definiram a banda. No entanto, a obra se depara com desafios narrativos e estéticos que impedem uma plena imersão no universo dos Mamonas Assassinas, resultando em uma experiência que, embora cheia de boas intenções, acaba por decepcionar a crítica e o público em diversos aspectos.
O filme faz um esforço considerável em capturar a essência do grupo, especialmente no que diz respeito à irreverência e à atitude desafiadora que marcaram sua carreira. No entanto, a narrativa padece de uma estrutura excessivamente apressada e fragmentada, que não permite o desenvolvimento adequado dos personagens e dos eventos. A história avança rapidamente, sem dar tempo para que os espectadores se conectem de maneira profunda com os integrantes da banda. Esse ritmo acelerado prejudica a construção emocional da trama, com os acontecimentos sendo tratados de maneira superficial e sem as devidas reflexões sobre o impacto de cada etapa na vida dos músicos.
Apesar de seus méritos, como a recriação da estética visual da época e a tentativa de resgatar a atmosfera do Brasil da década de 1990, o filme falha em dar profundidade às relações entre os membros da banda. O roteiro se concentra principalmente em Dinho, o vocalista carismático, enquanto os outros membros da banda, como Bento e Júlio, são relegados a papéis secundários e pouco desenvolvidos. Embora haja algumas tentativas de explorar a dinâmica entre os integrantes, a falta de foco na verdadeira complexidade das relações interpessoais dentro do grupo faz com que o filme perca uma oportunidade de abordar com mais profundidade os desafios e as tensões que existiam por trás da fachada de irreverência e diversão.
O elenco, composto por Ruy Brissac (Dinho), Beto Hinoto (Bento), Robson Lima (Júlio), Adriano Tunes (Samuel) e Rener Freitas (Sérgio), é, em grande parte, o ponto alto da produção. A semelhança física dos atores com os reais membros da banda é impressionante, e as atuações conseguem transmitir a energia contagiante e a irreverência que tornaram os Mamonas Assassinas tão populares. Ruy Brissac, em particular, brilha como Dinho, capturando a essência do líder da banda e seu carisma natural. Contudo, apesar do esforço do elenco, as limitações do roteiro impedem que suas performances tenham um impacto duradouro. A falta de profundidade nas motivações dos personagens e o tratamento superficial de questões importantes, como o relacionamento com as mulheres e o consumo de drogas, deixam a narrativa rasa e muitas vezes desinteressante.
A direção de Spinello, embora competente em algumas áreas, também sofre com a falta de coesão e consistência. A montagem é um dos maiores problemas do filme, com cenas excessivamente picotadas e uma estrutura narrativa desarticulada. O ritmo irregular, que alterna entre momentos de grande energia e outros de tensão mal construída, contribui para uma atmosfera descompensada que dificulta a imersão do público na história. Além disso, a transição do formato de série para filme, que já havia sido anunciada, se reflete negativamente no produto final. O filme parece querer contar uma história longa e detalhada, mas as limitações de tempo e a necessidade de condensar a trama resultam em uma narrativa apressada e sem o devido cuidado com os detalhes.
Outro ponto negativo do filme é sua escolha de trilha sonora. Apesar de ser uma cinebiografia musical, a obra opta por utilizar faixas contemporâneas que não condizem com a atmosfera da década de 1990, prejudicando a autenticidade da produção. As músicas dos Mamonas Assassinas, que poderiam ter sido a grande força emocional da obra, são pouco exploradas, e as cenas de performance não conseguem capturar a energia dos shows que marcaram a banda. A música, um dos pilares da identidade do grupo, é tratada de maneira superficial, sem o devido destaque ou resgate do seu impacto cultural.
O filme também falha em explorar as questões mais sombrias e complicadas que marcaram a trajetória da banda, como a luta contra o sistema da indústria musical, o impacto da fama e a tragédia que encerrou sua história. A morte dos Mamonas Assassinas, embora retratada, é apenas um ponto final de um enredo que não consegue explorar adequadamente as consequências da vida e da morte desses jovens. A decisão de não centrar o filme em torno dessa tragédia é válida em certo sentido, pois evita o sensacionalismo, mas a forma como a narrativa aborda o fim do grupo não faz jus ao legado deixado por eles.
"Mamonas Assassinas: O Filme" é uma produção que busca capturar o espírito irreverente e a energia contagiante de um dos grupos mais icônicos do Brasil, mas não consegue entregar uma cinebiografia coerente e impactante. A falta de um roteiro mais estruturado, o tratamento superficial dos personagens e a direção inconsistente resultam em uma obra que, embora carinhosa em sua intenção, não faz jus à complexidade e ao legado dos Mamonas Assassinas. O filme é, portanto, uma oportunidade perdida de se fazer justiça a uma das bandas mais influentes da história da música brasileira.