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    Sueño Florianópolis
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Sueño Florianópolis

    Sozinhos juntos

    por Bruno Carmelo

    O filme parte de uma premissa bastante codificada: família argentina pega o carro para visitar as praias brasileiras durante as férias, abrindo caminho para os empecilhos típicos de viagens (o carro sem gasolina, o problema com a casa alugada), mas também para as delícias do cenário paradisíaco, os encontros com habitantes locais e a inevitável aproximação entre os familiares após as novas experiências. Os subgêneros do “filme de férias”, o road movie e o “filme de choque cultural” parecem bem servidos.

    Ora, Sueño Florianópolis toma rumos muito diferentes do esperado. A diretora Ana Katz evita os clichês turísticos, a família cantando no carro, as trapalhadas no local. A narrativa se constrói sob o sentimento melancólico do fim de um ciclo: a esposa Lucrecia (Mercedes Morán) está se separando do marido Pedro (Gustavo Garzón), e os filhos adultos são independentes, com seus planos próprios para a viagem. Aos poucos, cada um aproveita Florianópolis à sua maneira, com os novos amigos ou namorados encontrados no local, restando um inevitável sentimento de solidão em meio à natureza, cercados por outros turistas. A cineasta capta muito bem o tom crepuscular do fim das festas, o misto de alegria e tristeza quando uma experiência prazerosa chega ao fim.

    O roteiro possui os méritos de fornecer uma trajetória distinta e temperamentos particulares para cada personagem. O fato de Lucrecia e Pedro serem psicanalistas é trabalhado de maneira orgânica, assim como a atração dele e dela por novas pessoas no local. Embora a maioria dos retratos cômicos de férias se dediquem a resgatar o lado infantil de adultos cansados, como se o novo cenário pudesse liberá-los do peso cotidiano, este filme utiliza as férias para catalisar os conflitos e retratar, por oposição, a rotina desses personagens em seu país de origem.

    Assim, compreende-se bem o grau de intimidade e de autonomia entre os quatro membros da família pelo modo como se comportam num contexto excepcional. Esta é uma virtude notável da narrativa: ao invés de representar a viagem como parêntese na vida dos protagonistas, ela o utiliza como metáfora para seu estado de espírito. Felizmente, a trama se passa num período pré-smartphones e pré-digitalização das imagens pessoais: estamos numa época em que os conflitos ainda se resolvem face a face, ou então se reprimem nos belos instantes de silêncio e desconforto orquestrados pela diretora, tanto pela barreira linguística quanto pela tensão sexual.

    Sueño Florianópolis resolve-se muito bem no plano estético. Katz possui talento para organizar os enquadramentos com diversos personagens, e trabalha com uma câmera segura, tão livre quanto discreta, em harmonia com o ótimo trabalho de luz natural e sons ambientes. A história atinge um retrato preciso e difícil da banalidade dos corpos e dos espaços. Ninguém é idealizado ou criticado pela direção, que busca compreender tanto os motivos pelos quais a ex-esposa oculta seu romance com um brasileiro (Marco Ricca) quanto as razões pelas quais o ex-marido revela a sua experiência sexual com uma brasileira (Andréa Beltrão). Os relacionamentos são maduros, o que não implica uma ausência de conflitos, muito pelo contrário - trata-se de questões mais profundas, e consequentemente mais ricas cinematograficamente.

    No elenco, Mercedes Morán comprova mais uma vez sua incrível versatilidade (ela está totalmente distinta, e igualmente precisa, em O Anjo e Família Submersa, também exibidos este ano) e Gustavo Garzón traz fragilidade ao marido. Katz demonstra um olhar generoso aos personagens, capaz de criar cenas belíssimas como a brincadeira/briga entre marido e mulher na praia, ou o sentimento de superioridade quando o casal supostamente bem resolvido encontra dois conhecidos brigando histericamente à beira mar. Lucrecia e Pedro passam rapidamente da alegria à tristeza, da racionalidade à emotividade.

    Terminamos a trama diante de personagens representativos de uma classe média em transformação porque os casamentos estão ruindo, a família está se dissolvendo, as amizades se terminam ao fim do passeio. É sintomático que Lucrecia passe o dia de seu aniversário cercada de pessoas que não conhece, ao invés dos familiares que pegaram a estrada com ela. Sueño Florianópolis trabalha a sensação de se estar sozinho juntos, ou ainda de amar pessoas que não fazem mais parte da sua vida. Entre tantos afetos manifestados ou contidos, o espectador presencia um pequeno grande filme.

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    Comentários

    • Marcelo Teive
      Assisti ontem e achei um bom filme. Mesmo sendo ilhéu não identifiquei de pronto as locações. Gostei do título com o nome da cidade : Florianópolis e não o feio apelido Floripa.
    • Rodrigo
      Assisti ao filme e achei bem clichê, quem nunca passou férias encontrou o tio fanfarrão e intrometido dono da praia, a tia mistica pega turista, o namorico de verão. Nem a briga com a família é original, quem nunca se desentendeu passando férias com os pais? Tampouco encontrei qualquer cena de comédia, salvo pela última cena. Enfim, se alguma coisa vale à pena no filme só pode ser a bela atuação de Mercedes Morán, as belas paisagens e o saudosismo de quem viveu a década de 90.
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