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    Diários de Classe
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Diários de Classe

    O espaço de todas as trocas

    por Taiani Mendes

    Escola. Inacessível para muitos, grade curricular defasada, professores despreparados e mal remunerados, insegurança... A lista de problemas é enorme, mas duas coisas são sempre positivas: a riqueza do debate numa sala de aula heterogênea e o poder transformador da educação. Conhecimento é poder e qualquer vida é drasticamente alterada do analfabetismo à alfabetização.

    Em Diários de Classe, os diretores Maria Carolina da Silva e Igor Souza adentram três classes para adultos em diferentes locais de Salvador: uma penitenciária feminina, uma escola pública na periferia e um abrigo bancado por religiosos. Os realizadores observam esses ambientes bastante distintos, mas que servem ao mesmo propósito e são povoados por anseios de uma vida melhor, num silêncio interessado, com atenção guiada pelo que dizem os “colegas de classe”. Na penitenciária a câmera é posicionada imitando o ponto de vista de uma estudante, no ensino noturno para jovens e adultos fica no canto, e no abrigo encara os alunos de frente.

    Escolhas marcantes e significantes, pois no primeiro caso a professora, em evidência, é muito mais do que educadora, atuando como psicóloga, orientadora e mediadora, além de ter o dever de reportar tudo que acontece em aula para os agentes; no segundo cenário o lugar de testemunha cai bem pelo aspecto dinâmico da turma do EJA, que se engaja em debates polarizados sobre questões além-abecedário; e no terceiro o olhar de frente ganha importância principalmente considerando o conflito identitário de Tifany, adolescente trans que assume o protagonismo do trecho.

    A partir de um panorama geral iniciado de forma sensível com preparativos para o Dia das Mães, Diários de Classe enfoca uma mulher de cada sala de aula, acompanhando respeitosamente sua rotina para além dos cadernos. Feito de maneira natural, o aprofundamento não dá a impressão de que o projeto mudou de caminho na metade, até porque os ambientes escolares continuam presentes no decorrer da narrativa – muito bem conectada e pontuada por registros de intervenções urbanas. É como um zoom que amplia as pautas do filme, enriquecendo-o com debates sobre transfobia, opressão, racismo, superação, precarização do trabalho doméstico, depressão, a desumana justiça brasileira e o problemático sistema penal, assuntos inclusive abordados também nas salas de aula.

    Desta forma, Diários de Classe, plural como seu título, oferece inúmeras camadas e temas. Como uma mestra consciente do quanto pode aprender com os alunos, a direção se coloca totalmente à serviço dessas vozes em geral caladas e ignoradas, fortalecendo-as. O espectador, por outro lado, sai da sessão carregado de informações, que vão desde a luta das domésticas sindicalizadas aos hábitos das mulheres que esperam julgamentos na cadeia, passando pelos diferentes papéis que interpretam as pros – como são chamadas as professoras –, conforme o ambiente em que trabalham.

    Seria bastante interessante se uma das docentes ganhasse tempo extra de tela, formando um contraponto com as devassadas vidas das alunas, mas Tifany, Vânia e Maria José contribuem cada uma de maneira única e especial, seja indo para as aulas a qualquer custo, debaixo de bala e com filha a tiracolo; frequentando apenas para espairecer e desabafar; ou mesmo se afastando por incompreensão. Não é só sentada na carteira copiando do quadro que se aprende.

    Filme visto no 7º Olhar de Cinema, em junho de 2018.

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