Minha conta
    Seder-Masochism
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Seder-Masochism

    Religião em foco

    por Lucas Salgado

    Um dos musicais mais bem sucedidos da história da Broadway, The Book of Mormon é uma sátira religiosa que usa os Mórmons como os alvos principais, mas que, na verdade, serve para muitas outras religiões. Anárquico, surtado e muito divertido, o musical chegou a ser cotado para ganhar uma adaptação para os cinemas, mas isso nunca aconteceu de fato. E nem parece ser uma realidade próxima.

    Mas não tem problema, agora temos Seder-Masochism. Ainda que passe por temas parecidos, são obras bem diferentes, mas esta animação de 2018 tem sim muito do espírito da peça de Trey Parker e Matt Stone.

    A diretora Nina Paley criou uma animação única e muito divertida, que reconta a história do Livro do Êxodo a partir da visão de Deus, Moisés, Aarão, Anjo da Morte e muitos outros. Quem acha que "com religião não se brinca" deve passar longe de Seder-Masochism. Mas aqueles com maior senso de humor, e certa visão crítica, tem tudo para aproveitar uma obra realmente especial. 

    Mostrando que não aliviaria para ninguém, o longa já começa dizendo: "Esta história foi escrita por Deus, Moisés e uma série de homens patriarcais." O olhar masculino e a violência contra a mulher ao longo da história - muitas vezes justificada pela religião e pelos "bons costumes" - é tema importante da produção e se faz presente ao longo de toda a narrativa. Além de diretor, Paley é roteirista, produtora, montadora e dubladora do filme.

    Finalizada através de financiamento coletivo, o filme arranca gargalhadas do espectador ao mesclar temas sérios com alívios cômicos, além de uma série de números musicais. As músicas, por sinal, são ponto forte da produção, que conta com canções originais (escritas pela própria diretora) e com clássicos como "I Will Survive", "Helter Skelter" e "Free to Be You and Me".

    Além de um trocadilho esperto com o termo "Sadomasoquismo", o título faz referência ao sêder, tradicional cerimônia judaica em que se recorda a história do Êxodo e da libertação do povo de Israel. Mas o judaísmo não é o único alvo da produção, que também alfineta a religião católica, a muçulmana e outras.

    Repleto de metáforas e simbolismos, Seder-Masochism aborda com mais força a hipocrisia de quem defender a visão da mulher como fruto da vida, mas ao mesmo tempo a priva de direitos básicos. Para isso, usa os versos "I used to love her, but I had to kill her", da música do Guns N' Roses.

    Sempre crítico, mas na maior parte do tempo leve, o longa também se permite alguns momentos de uma reflexão mais pesada, principalmente quando mescla imagens de arquivo reais, quebrando o formato animado. Tais imagens mostram ações do exército de Israel, forças do Estado Islâmico destruindo obras de arte milenares e os ataques ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, tudo feito em nome da religião.

    De família judaica, Nina Payle usa uma entrevista com seu pai no filme. No áudio, ele tenta explicar para a filha os rituais de passagem. Neste momento, o pai assume a figura de Deus (o Deus presente na nota do dólar), enquanto que a diretora assume a forma da cabra dada em sacrifício. É um material divertidíssimo e espontâneo.

    Filme visto no Festival de Annecy, em junho de 2018.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    • Dood
      Reflexo de uma cultura de dois pesos e duas medidas, onde se celebra a diversidade ao invés do talento. Imagina uma obra com uma crítica sobre esse tipo de cultura atual: iria ser rechaçada pelos criticús de plantão.
    • Nois Critica Mermo
      Mais um indício de como a crítica de cinema persegue a religião e avalia os filmes conforme suas ideologias. Obras que tem o viés de defender religião são detonadas. Obras que tem o viés de atacar e debochar de religião são exaltadas, e com as justificativas mais esdrúxulas possíveis.O próprio cinema faz movimentos e campanhas para combater os filmes que fazem piadas com homossexuais e negros, mas as obras que debocham de religião estão liberadas e são até elogiadas por essa mesma parcela.Dá repulsa de ver essas avaliações parciais e tendenciosas. Não é possível que as pessoas não enxerguem e discutam isso. Detesto mimimi e politicamente correto, mas não dá pra tolerar essa hipocrisia e preconceito velado contra a religião no cinema e ninguém falar nada a respeito.
    Back to Top