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    Kim Possible
    Críticas AdoroCinema
    3,0
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    Kim Possible

    Os superpoderes da adolescência

    por Bruno Carmelo

    Acostumada ao formato livre e lúdico da animação infantil, Kim Possible ganha em 2019 uma versão live-action, com atores em frente às câmeras. O principal desafio, para os diretores Adam B. Stein e Zach Lipovsky, era se manter fiel ao aspecto fantástico do material de origem sem transformar os personagens de carne e osso em figuras infantilóides, ou mesmo ridículas. Existe uma diferença de linguagem fundamental entre a animação e o live-action, que depende tanto do tom quanto da percepção entre o que é plausível dentro do cinema de ação e o que precisa ser descartado do desenho em nome da verossimilhança.

    Felizmente, a transição é efetuada com sucesso. Kim (Sadie Stanley) ainda é uma heroína reconhecida mundialmente pelo histórico de combate a vilões, mas precisa se comportar como filha adolescente, prestes a entrar no colegial. A primeira cena – uma perseguição com lutas e explosões bem coreografadas – dita o contraste entre a vida espetacular de heroína e a rotina nada espetacular da escola. O principal mérito do filme é contrastar a realidade à fantasia: embora o mundo do combate ao crime com equipamentos especiais permita a Kim ser famosa nas redes sociais, é a vida no ambiente real que lhe traz problemas. Perto da dificuldade de estabelecer uma vida social saudável, salvar o mundo é tarefa fácil.

    Por este motivo, o roteiro trata de levar os vilões ao ambiente escolar, onde Kim deve equilibrar o desejo de proteger os outros e de proteger a própria imagem. O projeto nunca se leva a sério demais: os bandidos que pretendem roubar a “faísca” de Kim são atrapalhados, risíveis, e mesmo a origem cartunesca da personagem é parodiada nos diálogos. Desta vez, a protagonista não é mais invencível: ela precisa lidar com sua impotência diante das injustiças (de uma caloura e um professor autoritário, em particular) e com o ciúme quando descobre colegas de turma igualmente poderosas. Para a nossa surpresa, os maiores vilões da trama não são as figuras sombrias que perseguem a jovem, e sim o ego da garota, que ela precisa controlar para entrar no mundo adulto.

    Assim, a comparação entre Kim e a colega Athena (Ciara Wilson) é essencial, porque Kim vê na melhor amiga uma representação de si mesma, um alter-ego possivelmente melhor do que ela própria. “Mas se eu não for aquela que salva o mundo, e que tira as melhores notas, quem sou eu?”, reclama a heroína para a sábia avó, que responde: “Você não tem que ser a melhor o tempo todo”. Inserido no competitivo espírito norte-americano, este discurso soa bastante progressista, menos focado na performance do que na satisfação pessoal. Outros elementos permitem situar Kim Possible à frente de muitas produções infantojuvenis: são as mulheres que dominam a ação, enquanto os homens se resumem a sujeitos atrapalhados e medrosos. Durante o clímax, a adolescente se une a outras mulheres, enquanto o pai fica em casa, cuidando das crianças.

    Mesmo com tantas qualidades, alguns aspectos diminuem a potência do filme, a exemplo do funcionamento surreal da escola, de eventuais piadas infantis demais de Ron (Sean Giambrone) e do elogio ao poder aquisitivo da família da protagonista, representado por seus bens e seu quarto ultra equipado.  No entanto, estes são detalhes dentro de uma produção que valoriza com esmero o faz-de-conta, o valor da imaginação. A cena em que Kim utiliza todos os seus poderes para chegar ao ônibus escolar sem atrasos representa bem o sonho comum às crianças de ter superpoderes – que representam, em segunda instância, o desejo de controle do ambiente ao redor, castrado pelas imposições sociais.

    Para a sua primeira aventura em live-action, Kim Possible é confrontada às suas derrotas (o sentimento de superpotência e invencibilidade) para crescer como indivíduo. Ela se torna uma personagem mais complexa do que a representação original do desenho, além de representar uma figura com a qual garotas e garotos podem mais facilmente se identificar. Nada mau para uma trama infantil que mistura dilemas da puberdade com explosões e cientistas malucos.

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