“O Contador 2” é o tipo de sequência que surpreende por sua existência e, mais ainda, por justificar com competência a própria continuidade. O retorno de Ben Affleck ao papel de Christian Wolff, agora acompanhado por Jon Bernthal em um protagonismo dividido, entrega um filme que opta por trocar a densidade emocional e o tom introspectivo do original por uma abordagem mais leve, divertida e repleta de ação. Com direção de Gavin O’Connor e roteiro assinado por Bill Dubuque — nomes que já estavam à frente do longa de 2016 —, essa sequência mostra uma clara mudança de direção, tanto em estrutura quanto em estilo, ainda que mantenha o DNA do primeiro filme.
Se no original havia um cuidado em explorar as camadas mais delicadas do personagem principal, seu autismo e suas implicações sociais e emocionais, aqui a narrativa parece mais interessada em fazer com que Christian seja parte de uma dupla explosiva com seu irmão, Braxton, interpretado com energia e carisma por Bernthal. A relação entre os dois, antes abordada apenas por flashbacks e um rápido confronto final, agora ganha o centro da trama — e é onde o filme mais acerta. A química entre Affleck e Bernthal é cativante, equilibrando momentos de ação intensa com situações de comédia que funcionam surpreendentemente bem. A interação entre os irmãos não apenas sustenta o filme, como também traz uma leveza necessária que prende o espectador, mesmo quando a narrativa se mostra menos afiada.
Ben Affleck, por sua vez, entrega aqui uma das performances mais soltas e confortáveis de sua carreira recente. É evidente, até mesmo fora da tela — em entrevistas e aparições durante a divulgação —, que ele está mais à vontade e conectado com o personagem. Essa segurança se traduz em uma atuação sólida e carismática, que equilibra a frieza técnica de Christian com momentos mais humanos e até vulneráveis. Ainda que o autismo do protagonista não seja mais o foco principal, o roteiro o apresenta como um homem em processo de adaptação, tentando ser mais sociável e superar barreiras emocionais. É uma evolução coerente com o que foi estabelecido anteriormente, mas que, infelizmente, acaba sendo retratada de forma um tanto superficial, deixando de lado o aprofundamento necessário e, em alguns momentos, flertando com a romantização das habilidades do personagem como uma consequência direta de sua condição.
No entanto, nem tudo funciona com a mesma fluidez. O filme sofre com uma montagem irregular e uma narrativa que, ao tentar economizar tempo com apresentações — apostando no fato de que o público já conhece os personagens —, acaba criando confusão. Em certos momentos, é difícil entender as conexões entre os personagens secundários, quem está com quem e qual é a motivação de determinados arcos. O vilão, por exemplo, surge com certo peso, mas logo é deixado de lado, sem impacto real na história. Há até a introdução de uma figura maior, que supostamente está por trás de toda a movimentação criminosa, mas que jamais ganha substância, funcionando mais como uma promessa de um terceiro filme do que como uma presença efetiva nesta trama.
Por outro lado, o ritmo acelerado e o foco na ação compensam parte dessas falhas estruturais. Gavin O’Connor se mostra à vontade ao conduzir cenas de combate corpo a corpo e tiroteios coreografados com precisão. Se o primeiro filme tinha um pé mais firme no drama investigativo, este se lança com tudo na ação, com cenas envolventes que se beneficiam do bom entrosamento entre os protagonistas. A proposta é clara: entreter. E nisso, “O Contador 2” não falha.
Em seu conjunto, o filme representa uma guinada interessante e válida para a franquia. Troca-se o peso dramático por dinamismo, os dilemas internos por conflitos externos mais palpáveis e imediatos. Há tropeços? Sim. A representação do autismo é menos cuidadosa e mais voltada a um estereótipo funcional, a trama é confusa em alguns pontos e o antagonismo carece de força. Mas mesmo com esses problemas, a sequência consegue ser mais atrativa que o original, o que não é pouca coisa.
“O Contador 2” é, acima de tudo, um filme que entende sua audiência e sabe onde quer chegar. Ele não tenta reinventar a roda, mas aperfeiçoa seu próprio ritmo, acrescentando carisma e adrenalina em uma medida que pode não ser perfeita, mas é, sem dúvida, divertida e eficiente. Se a promessa de um terceiro capítulo se concretizar, há espaço para ajustes, mas o caminho já está pavimentado — e é bem mais empolgante do que o anterior.