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    Aquele Sentimento do Verão
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Aquele Sentimento do Verão

    Os tempos do luto

    por Bruno Carmelo

    Este drama se abre sob o símbolo da nostalgia. Uma trilha delicada ao piano pauta a maioria das cenas, enquanto a imagem granuladíssima (em 16mm) lembra um cinema distante dos nossos tempos digitais. Uma jovem passeia pela paisagem multicolorida da cidade, sem pressa, como se estivesse apenas tomando ar. Poderíamos nos encontrar em alguma outra década, num tempo suspenso, assistindo à romantização da juventude. Então esta jovem desmaia no meio de um parque. Na cena seguinte, está morta. O tempo torna-se subitamente presente, doloroso, real.

    Aquele Sentimento do Verão equilibra-se entre a dor palpável do luto e o escapismo lúdico de dois jovens vivendo em grandes capitais - Berlim, Paris e Nova York. Lawrence (Anders Danielsen Lie), namorado da falecida Sasha, e Zoé (Judith Chemla), irmã dela, tornam-se os personagens principais, além de serem os mais afetados pela dor da perda. Ao invés de permitir o dilaceramento da dor presente, o roteiro aposta em grandes elipses. Mais exatamente, salta-se de verão em verão, quando Lawrence e Zoé se reencontram e abordam, inevitavelmente, as lembranças de Sasha. O filme inteiro é construído em torno de uma presença ausente.

    A interação entre a dupla central é preciosa. Embora pertençam a mundos diferentes e não se conheçam bem, é palpável o afeto entre eles. Os diálogos são truncados, quase monossilábicos, mas o diretor Mikhaël Hers sabe como deixar a trilha sonora, os ruídos e o espaço da cidade representarem o estado de espírito de cada um. Ao invés de apostar nas tradicionais paisagens turísticas de belos cenários europeus (a prática do “europudding”), o drama transforma todos os cenários horizontes distantes, frios, inalcançáveis. A dupla principal não se sente mais à vontade em nenhuma casa, nem cidade. O luto é transformado na inadequação constante ao tempo e ao espaço.

    As cenas sem Lawrence e Zoé são muito mais fracas. O segmento de Nova York, em especial, ameaça transformar o drama delicado numa comédia pseudofilosófica indie, com a presença de um personagem estranho à trama, interpretado pelo cineasta Josh Safdie. As cenas com os amigos de um ou de outro servem para trabalhar o silêncio e a sensação de desconforto, mas não conseguem provocar conflitos. De verão a verão, a trama se arrasta até a dupla principal se encontrar novamente. A trilha sonora apresenta suas desvantagens: o abuso de pianos tristes e cordas melancólicas para de provocar surpresas a certo ponto da trama, gerando uma espécie de anestesia no espectador.

    Mesmo assim, Aquele Sentimento do Verão se distancia dos clichês associados ao luto e à interação romântica entre homens e mulheres. Hers consegue fundir os personagens às casas, terraços e ruas, de maneira orgânica, com um trabalho eficaz de câmera. Seus planos de conjunto soam mais limitados, mas este seria o funcionamento constante do projeto: cada vez que observa com ternura Lawrence e Zoé, o filme cresce. Quando tenta abraçar mais vidas num mesmo enquadramento, torna-se menos eficiente. Felizmente, existem momentos de sobra com a dupla principal, traduzindo quase sem palavras a mistura de carinho e dor.

    Filme visto online no My French Film Festival, em janeiro de 2017.

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