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    Amor Maldito
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Amor Maldito

    Identidades roubadas

    por Barbara Demerov

    Adélia Sampaio não só foi a primeira diretora negra a fazer um longa-metragem no Brasil como também já entrou para a história logo em seu primeiro projeto, Amor Maldito. Ao contar a história de um casal de mulheres que se apaixona e tenta lidar com o preconceito e repressão familiar, Adélia encarou também este mesmo preconceito, assim como o machismo, fora das câmeras. A boa notícia é que, mesmo assim, ela conseguiu fazer com que seu filme fosse lançado comercialmente, mesmo que com a falsa definição de que a obra era uma pornochanchada.

    No entanto, estereótipos e padrões cinematográficos da época nunca se encaixaram neste filme, que voltou a ser exibido em sessões especiais de festivais há poucos anos e condiz muito com diálogos contemporâneos nos âmbitos político e social. A história de Amor Maldito, além de ser baseada em fatos da década de 60, teve alguns mínimos detalhes utilizados para compor a dramaticidade do enredo. Não é somente o suicídio de Sueli (Wilma Dias) que possui a carga mais forte; todo o caso judicial que Fernanda (Monique Lafond) enfrenta perante a advogados e juízes maliciosos é baseado nos arquivos que Adélia teve acesso durante a pesquisa.

    O tom de preconceito e machismo presentes nas palavras de personagens caricatos como os da família de Sueli e o advogado que tenta incriminar Fernanda através do sensacionalismo é uma das características mais marcantes do filme. Evidenciando a harmonia narrativa da diretora, há diversos flashbacks entre Fernanda e Sueli que apresentam ao espectador o início, o meio e o fim, com a felicidade sendo deteriorada pelo medo e solidão. A sensação agridoce deste relacionamento é posta com ainda mais impacto do que o próprio processo judicial, e a última cena, belíssima, exprime bem tal diretriz.

    Se por um lado décadas se passaram desde a estreia do longa, o que sem dúvidas permanece é o diálogo que a ficção traça com a intolerância, ainda enraizada na sociedade brasileira. Limitações técnicas (ligadas ao som e a alguns usos de câmera) não danificam o conteúdo que a diretora quer passar, principalmente se for analisado o momento que a diretora rodou o filme, com tantos desafios financeiros e sociais.

    Amor Maldito pode ser considerado um filme à frente de seu tempo por entregar discussões pertinentes. Mesmo com a censura da época, a obra se sobressai por conta da temática que indica uma reflexão mais do que necessária: a forma como é abordado o romance entre duas mulheres de um modo sensível. Ao mesmo tempo, a análise profunda não só da relação como também da maneira que as duas mulheres eram vistas é feita com competência, mesclando passado e presente de uma vida perdida e de outra vida julgada.

    Adélia Sampaio tomou as rédeas de um assunto marginalizado, adaptou uma história real e trágica que estampou as capas dos jornais da época e transformou todo este cenário em uma narrativa marcante e emocionante. As caricaturas contidas nos personagens e as atuações um tanto quanto forçadas podem tornar a obra um pouco enfraquecida em dados momentos, mas seu verdadeiro valor se mantém tão atual quanto significativa.

    Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.

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