O Espelho não é um documentário e nem foi inspirado em fatos reais. Mike Flanagan é o diretor, mas quem chama atenção é o produtor executivo Jason Blum, famoso por ter se empenhado em Atividade Paranormal e Sobrenatural (Insidious). Por causa disso, é fácil pensar que este filme tem a mesma montagem e a mesma premissa, mas nada disso acontece. Por mais que haja o uso de artifícios que já vimos – como filmar o sobrenatural – o espetáculo fica por conta dos efeitos psicológicos causados pelo espelho nos protagonistas.
A história gira em torno de dois irmãos que nos guia pela trama por serem marcados pelos acontecimentos causados por um acessório comum das nossas casas que é dito como responsável em matar qualquer ser humano durante 200 anos. Logo conhecemos Tim que, depois de 11 anos, sai de uma clínica psiquiátrica. O primeiro e único contato dele é Kaylie, a irmã bem-sucedida que espera ansiosamente a oportunidade de confrontar o antigo inimigo: o tal espelho. Ele não faz ideia que está incluso no plano (contra a sua vontade) e, ao estar diante da probabilidade de reviver uma situação que o marcou profundamente, nada resta a não ser bater de frente com o impasse.
Quando Kaylie nos apresenta o cenário em que a trama se desenrolará, logo somos tragados por cenas que se ramificam entre o presente e o passado desses dois personagens. Esse é o ponto do filme que trabalha bastante com flashbacks, de um jeito que é difícil reconhecê-los logo de cara, mas não impossível. Esse artifício é muito intrínseco da trama, um auxílio para entender o que realmente aconteceu com os irmãos. Inclusive, esses paralelos oportunizam um confronto de falsas memórias que colocam Tim e Kaylie em uma posição cética quanto ao que o outro presenciou especialmente no passado.
O que torna O Espelho interessante é a brincadeira mental que beira à ilusão. No decorrer da trama, os irmãos não sabem o que é real de um jeito que prende quem assiste. Praticamente, o que aconteceu antes começa a se repetir. Em meio aos sussurros, às sombras e ao medo claustrofóbico de não saber o que acontecerá, as cenas do passado começam a colidir com as do presente, e vimos o que de fato aconteceu com a família dos irmãos e como tudo terminou. É esse desenrolar que mexe com o psicológico dos personagens que torna o filme atraente e dá um pouco da vivência do terror.
Porém, isso não faz O Espelho um filme que chamaria de terror. Ele é um suspense que, infelizmente, não oferece respostas suficientes para o que acontece, mas conquista por causa do apelo psicológico. É isso que o torna muito bacana. Não tem como não ficar vidrado. A trama não linear o tornou interessante e o salvou da ruína total. A montagem do filme é o que o sustenta, bem como os cortes e os rodopios da câmera, e a ausência de um ponto de vista fixo. Os irmãos são tudo o que o espelho tem para destruir. Não é à toa que só os dois ficam no foco da trama.
A parte negativa é o roteiro raso, o que deixou o filme sem profundidade. Mesmo com tanta riqueza de detalhes e com tensão suficiente para nos tragar, a trama se esqueceu do crucial. E isso é uma pena, pois, já que não tem terror escancarado, a mitologia do espelho foi ignorada. Mesmo com um final arrebatador, as perguntas do por que e como continuam amargas quando os créditos sobem. O Espelho seria 100% se respondesse essas questões, o que pode dar aval para uma continuação, o que não é uma boa pedida.
O bacana é que, por mais que não haja certas conclusões, o filme foi bem recebido, detalhe que me surpreendeu bastante. Vale dizer que Karen Gillan, a queridinha Amy Pond da série Doctor Who, consegue convencer, especialmente sobre a gravidade do espelho. No mais, este é aquele tipo de filme que intriga por brincar com quem assiste.