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    A Bela que Dorme
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Bela que Dorme

    Vamos falar de morte

    por Bruno Carmelo

    A Bela Que Dorme tenta combinar estilos de cinema muito diferentes. O primeiro deles é a biografia documental: para contar o caso polêmico de Eluana Englaro, jovem italiana que ficou em coma vegetativo durante 17 anos até ter seus aparelhos desligados, o filme decide se colar aos fatos históricos, mantendo o nome real da garota e reproduzindo informações verídicas. Ao mesmo tempo, esta é uma obra de ficção, com personagens criados no intuito de relatar pontos de vista diferentes sobre a morte voluntária – seja ela a eutanásia, o suicídio ou o suicídio assistido.

    Por esta razão, só aparecem em tela pessoas em crise com o tema: um senador liberal (Toni Servillo) é forçado pelo partido a votar contra a eutanásia, a filha dele, uma garota católica (Alba Rohrwacher), luta contra a morte assistida, uma mulher viciada em drogas (Maya Sansa) tenta cometer suicídio, uma mãe religiosa (Isabelle Huppert) espera que um milagre tire sua filha adolescente do coma. Com esta estrutura, porém, o filme abandona qualquer pretensão de realidade. Ao invés de registrar um painel representativo da sociedade, a câmera está interessada em ouvir unicamente sujeitos envolvidos no caso – como faria, por exemplo, um repórter de telejornal.

    Afastando-se ainda mais da realidade, A Bela Que Dorme começa a entrelaçar essas histórias de maneira improvável: o senador esconde em seu passado um ato de eutanásia, a garota religiosa presenciou a eutanásia da própria mãe, e esta mesma jovem, quando está tomando café em um bar, é atacada por um garoto descontrolado, pró-eutanásia. Quem vem ajudá-la (adivinha?) é um belo rapaz de esquerda, aberto a novas ideias. Os dois apaixonam-se à primeira vista. A sucessão de coincidências cria um tom de fábula, sustentado pelas cores sombrias da fotografia, pelos planos de pés suspensos no ar, fumaças cobrindo cômodos inteiros ou ainda projeções de passeatas sobre os rostos dos personagens.

    Transita-se entre o sonho e a realidade, entre o barroco e o naturalista, e principalmente entre a noção de acaso (a morte pode chegar a qualquer um, a qualquer hora) e a noção de destino preconcebido (todos esses personagens se cruzam durante poucos dias, nos momentos finais da vida de Eluana). Por sua indefinição, é difícil julgar o sucesso ou fracasso deste projeto. A Bela Que Dorme tem uma beleza plástica invejável, que pode ser considerada adequada, caso o filme seja visto como uma obra poética, ou excessiva, para quem espera um relato fatual da história de Eluana. De qualquer modo, mesmo essas belezas tendem ao esvaziamento quando começam a se repetir entre os episódios: são muitos lençóis ao vento, dezenas de portas abrindo e fechando, dezenas de personagens observando a si próprios no espelho.

    Pode-se admirar o fato que, diante de um tema tão complexo, o diretor Marco Bellocchio não tenha defendido nenhuma causa. Mas também, pudera: esta história não gira em torno de diferentes posturas sobre a eutanásia, e sim em torno de diferentes personagens passando por um momento extremo de suas vidas. Pouco importa o que cada um deles pensa sobre o caso Eluana, já que estão excessivamente imersos no tema, representando apenas a si mesmos. Existe emoção demais: todos os personagens choram, gritam, debatem-se, e por isso são respeitados pela mesma razão que se respeita uma pessoa em período de luto – as dores ainda estão vivas demais para se propor um olhar calmo e lógico.

    Deste modo, a história evita os julgamentos, preferindo a observação. Os atores, de maneira geral, atribuem bastante humanismo aos tipos que interpretam (Toni Servillo e Alba Rohrwacher são excelentes), mas não conseguem superar a posição neutra do diretor. Bellocchio tem muito a mostrar, mas parece não saber exatamente o que dizer sobre o seu tema. Afinal, pode-se fazer um belo documentário, um belo drama ou uma bela fábula surrealista sobre a eutanásia, mas os três projetos não parecem caber em um mesmo filme.

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