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    Hoje
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Hoje

    Reflexões sobre ontem

    por Lucas Salgado

    Foi curiosa - e acertada - a escolha do título do quarto longa metragem de Tata Amaral. Apesar de ser um filme sobre o passado, ou ao menos sobre o impacto deste na vida de uma mulher, o nome Hoje retratar bem a realidade de quem sofreu duramente nas mãos da ditadura. Ao contrário do que a Lei da Anistia e algumas correntes políticas nos querem fazer acreditar, o regime militar no Brasil não é uma página completamente virada em nossa história e as pessoas que sofreram diretamente através de tortura ou perda de parentes e amigos continuam muito marcadas por isso, por mais que já tenhamos mais de 20 anos de democracia.

    O "hoje" do título faz menção justamente à presença do passado no presente e são questões como estas que são a força da produção, que não se utiliza de técnicas de linguagem batidas como flash backs ou reconstituições. Reflexões sobre indenização monetária para pessoas que sofreram com a ditadura e sobre a ausência de punição para os torturadores estão em foco no longa, transformando-o em algo que merece ser conferido.

    Alguns problemas claros no desenvolvimento comprometem, principalmente na tentativa de investir em um ministério cuja a solução é óbvia desde o primeiro segundo em que o personagem aparece em cena, mas ainda assim a fotografia excelente de Jacob Solitrenick (em especial na bela tomada final) e a trilha contida de Livio Tragtenberg ajudam a manter os expectador preso do filme.

    O mesmo pode ser dito com relação às atuações de Denise Fraga e César Trancoso. Conhecida por papéis cômicos em produções como O Auto da Compadecida e Como Fazer um Filme de Amor, Fraga reforça com sua performance em Hoje que está muito longe de ser uma atriz de um só gênero. Em seu papel mais intenso e dramático, ela se entrega a uma personagem que não necessariamente irá conquistar o público, mas que provavelmente despertará muito interesse e curiosidade.

    Marcado pela atuação em O Banheiro do Papa, o uruguaio César Trancoso também faz bonito, embora seu papel seja menos significativo. O ator, que parece em lua de mel com o cinema brasileiro e já está confirmado em novas produções como Faroeste Caboclo e Circular, é um dos nomes mais talentosos do cinema latino-americano e só colabora para aumentar a qualidade do longa de Tata Amaral.

    Hoje é uma adaptação do livro "Prova Contrária", de Fernando Bonassi, mas curiosamente o roteirista Jean-Claude Bernardet não leu a obra literária para escrever o filme. Ele preferiu levar para as telas as impressões passadas pela cineasta, o que mostra que a trabalho de Amaral vai bem além de apenas sentar na cadeira de diretora, sendo responsável direta pela concepção da ideia inicial. Rubens Rewald e Felipe Sholl aparecem como co-roteiristas.

    Contando com sequências bem originais, em especial àquelas que utilizam-se da projeção para interagir com o que está sendo dito ou lido pelos personagens - algo confessadamente inspirado no curta Superbarroco, de Renata Pinheiro -, o longa é passado inteiramente em um apartamento, lembrando um pouco Cabra Cega, que também aborda a questão da ditadura. Em alguns momentos parece teatral demais, mas nunca banal.

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