O ofício do ornitólogo, como apresentado em Pasárgada, exige paciência — a virtude da espera. Dira Paes, em sua estreia como diretora, exige do espectador uma postura semelhante, convidando-o a contemplar os tempos dilatados e o silêncio narrativo antes de mergulhar em sua trama. Irene (Dira Paes), uma ornitóloga introspectiva, encontra-se na Mata Atlântica acompanhada do guia mateiro Manuel (Humberto Carrão). Apenas após 50 minutos é que a história esboça sua verdadeira direção, quando Manuel quebra o gelo da protagonista e elementos da trama começam a emergir, incluindo uma descoberta intrigante na mochila de Irene.
O roteiro prioriza a introspecção e uma construção minimalista dos personagens. Irene é uma figura marcada pela solidão, afastada da família e buscando conforto apenas na natureza. Essa escolha narrativa reflete a intenção de Dira de explorar temas como reconexão e amadurecimento. Contudo, a introdução precoce do tráfico internacional de aves como pano de fundo pode diluir parte da tensão narrativa, funcionando como um "spoiler interno" que limita surpresas futuras.
Ainda assim, há momentos impactantes. A abordagem técnica do filme é um dos seus pontos altos. Pasárgada utiliza a exuberância da Mata Atlântica para criar uma experiência visual e sonora imersiva, onde os sons da floresta transportam o público. Dira aposta em planos sequência e cenas capturadas por drones, simulando a perspectiva das aves, o que reforça o tom contemplativo da obra.
Por outro lado, algumas escolhas são curiosas e talvez não intencionais, como Irene digitar "ornintóloga" no notebook — uma leve distração em uma dramaturgia já contida. Apesar dessas questões, Dira se destaca como atriz ao transmitir a paixão e o conflito interno de sua personagem.
No geral, Pasárgada é uma estreia modesta, mas cheia de potencial. Como diretora, Dira demonstra ousadia ao criar uma obra contemplativa que privilegia o sensorial e a reflexão, mesmo que ainda careça de maior impacto narrativo. Este é um ponto de partida promissor para uma artista que já contribuiu imensamente ao cinema brasileiro ao longo de quase quatro décadas.
Vale muito pela beleza sensorial , sendo a Mata Atlântica quase um personagem em si mesma.