Leonardo DiCaprio se junta a Paul Thomas Anderson para uma jornada surreal sobre paternidade e resistência
por Katiúscia ViannaEnquanto eu pesquisava imagens de Uma Batalha Após a Outra para colocar nessa crítica, fiquei chocada com o suposto orçamento da obra: 130 milhões de dólares. Não chega perto do filme mais caro da Marvel, porém ainda é um valor surpreendente para um filme mais cotado para ser favorito ao Oscar do que blockbuster do mês. Obviamente, Paul Thomas Anderson pode conseguir o dinheiro que precisar para seus filmes, ele tem reputação para isso. Mas investir grana numa mensagem como essas em um grande estúdio? É para poucos!
Qual é a história de Uma Batalha Após a Outra?
One Battle After Another (no original) começa acompanhando um grupo rebelde chamado French 75, que protesta usando bombas e armas contra um governo tirano - que, infelizmente, parece bem próximo da realidade do que gostaríamos... Dentre resgates de imigrantes e roubos a bancos, existe Pat (Leonardo DiCaprio), responsável por construir os objetos explosivos usados em suas missões. Ele ainda vive uma paixão ardente por Perfídia (Teyana Taylor), que também faz parte do French 75, mas se comunica através de ações irresponsáveis e impulsivas.
Sem spoilers grandes aqui, mas uma dessas ações culmina em algo que muda a trajetória do grupo rebelde. 15 anos depois, Pat assumiu o nome de Bob Ferguson e vive sob intensa paranóia, com a filha que teve com Perfídia, Willa (Chase Infiniti, uma bela revelação para Hollywood). Porém, quando seu passado obscuro bate à porta através da figura do Coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn), o protagonista precisa embarcar na missão mais importante de sua vida: resgatar a filha do perigo.
Uma Batalha Após a Outra é mais um acerto de Paul Thomas Anderson
Paul Thomas Anderson é um cineasta elogiadíssimo - e com razão! - por realizar obras que vão desde Boogie Nights até O Mestre. É praticamente essencial gostar de alguns de seus filmes para ganhar carteirinha de cinéfilo (e são muitas as vezes que você vê alguém chocado ao dizer que não gosta de algum deles). Logo, fico feliz em dizer que Uma Batalha Após a Outra pode se juntar ao grupo de belas obras de sua filmografia.
Ao mesmo tempo que segue seu padrão de estudos de personagens e visuais poderosos, foge da fórmula PTA (nome que eu acabei de inventar, obrigada!) para investir num retrato sinistro do presente - um tipo de análise rara em seu currículo. Apesar de ser inspirado no livro Vineland, de Thomas Pynchon, o roteiro (também assinado por Paul Thomas Anderson) faz tantas referências a situações brutais que - infelizmente - ainda acompanhamos nos dias atuais, que somente sendo muito sonso para não perceber a crítica social aplicada ali.
Uma Batalha Após a Outra não foge da carga política, desde seu primeiro instante quando acompanha a invasão de um campo de imigrantes, até sua última cena na qual reflete sobre o futuro. Mas nada disso torna o longa pesado de absorver ou “cabeça” demais para dar preguiça naqueles que fingem não se preocupar com a realidade atual. É um filme de aventura, com altos toques de humor e trazendo personagens excêntricos bem do jeitinho que o cinéfilo apaixonado por Paul Thomas Anderson gosta.
A imagem da resistência diante da opressão
Um claro exemplo desse balanço é o Sensei Sergio St. Carlos (Benício del Toro, sempre ótimo), professor de artes marciais de Willa - que também arranja tempo para organizar uma rede de apoio aos imigrantes latinos. Enquanto Bob corre (e cai) desesperado de um lado pro outro, representando o medo constante da paternidade; Sensei sempre mantém o semblante calmo, por vezes até risonho, mesmo diante de uma crise militar invadindo sua cidade.
E ali, paralelamente à missão de Bob, PTA guarda uma mensagem sublime de apoio e coragem - que já daria um excelente filme por si só. O retrato do fascismo opressor que se baseia no preconceito contra os outros é cercado de ódio, mas é enfrentado pela sagacidade e força que apenas uma comunidade capaz de se unir contra o mal pode mostrar. Enquanto os sentimentos negativos assumem o poder autoritário, é a compaixão que reacende a chama da revolução.
Em determinado momento, Sensei fala: "Estamos sitiados há centenas de anos. Ondas do oceano." Realmente, “ondas do oceano” parece ser uma boa metáfora sobre a história da humanidade que - ano após ano, século após século - segue cometendo os mesmos erros. Por outro lado, o sofrimento dá resistência para as comunidades oprimidas, que não se abalam diante da “nova onda de ódio”. De alguma forma, o preconceito parece não ir embora. Por sorte (ou pura determinação), a resistência também não. Já dizia a canção: "Immigrants, we get the job done!"
Um senso de humor surreal em Uma Batalha Após a Outra
O curioso é ver como o filme guarda bom espaço para humor, mesmo diante de uma crítica tão brutal em sua íntegra. Para começar, Leonardo DiCaprio dá (novamente!) uma interpretação fantástica de Bob - especialmente a partir do segundo ato, quando a situação vai perdendo o controle e vemos o personagem tentar o seu melhor para ajudar a filha, mas se dopou tanto em álcool e drogas que nem lembra mais qual é o código secreto do seu grupo revolucionário.
Por outro lado, PTA faz um retrato quase cartunesco dos vilões da história - quase todos homens brancos e asquerosos, certamente por pura coincidência, acredito (alerta de ironia). Em diversos momentos, as falas do grupo de antagonistas eram tão absurdas que o público no cinema dava risos de nervoso, ao mesmo tempo que questionamos se deveríamos mesmo gargalhar daquela situação.
Mas aí surge a questão da ironia né? Segundo sua definição, ela só funciona se o público alvo reconhecer o produto parodiado, a fim de entender a piada. Sinceramente, tenho medo de pensar em certas pessoas vendo esse filme e se sentindo ofendidas. Ou se devo ter mais medo daqueles que nem conseguem perceber o absurdo sendo dito? Mas é assim mesmo, às vezes precisamos esfregar umas verdades na cara dos outros.
Ser capaz de acompanhar os jornais todo dia pode ser duro, então precisamos dessas vozes talentosas da arte para ajudar o mundo e amaciar a queda. Belo entretenimento, que também seja uma poderosa mensagem. Então, obrigada, Paul Thomas Anderson por compartilhar seus medos sobre política e paternidade conosco. Só espero que você consiga tirar selfies melhores que um típico pai que não sabe como inverter a câmera frontal do celular. Você é cineasta, então vou te dar um voto de confiança.