Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
A Casa

A casa caiu

por Pablo Miyazawa

A Casa é incômodo. Não há outra palavra que defina a experiência oferecida por este filme espanhol criado para deixar o público perturbado da primeira à última cena.

O interessante é que a obra consegue essa proeza sem utilizar os recursos tradicionais dos thrillers de suspense: quase não há violência explícita, fora alguns murros sangrentos na cara; tudo o que é nocivo e ardiloso é visto de longe, sem muitos detalhes, como se não precisássemos nos envolver tanto nas artimanhas; e o protagonista pouco ostenta os estereótipos dos psicopatas já consagrados da ficção. 

A "casa" do título (Hogar no original espanhol) se refere ao apartamento de alto padrão em que o publicitário Javier (Javier Gutiérrez) mora com a esposa e o filho. Veterano desatualizado e desempregado há um ano, ele experimenta uma decepção após a outra a cada tentativa de se recolocar. Enquanto suas expectativas se mantém altas demais (assim como seu enorme ego), seu padrão de vida desce ladeira abaixo, levando junto suas relações pessoais. A crise financeira eventualmente o obriga a deixar a morada e levar a família a um lugar mais humilde.  

Não é possível avaliar outros sentimentos de Javier além da pura decepção de tudo estar dando errado em sua vida. Todos já passamos por problemas, mas raramente tomamos medidas extremas para colocar a frustração para fora. Só que no caso do protagonista de A Casa, não fica claro qual é o "clique" que faz com que ele deixe de agir racionalmente e passe a performar como um stalker psicopata de marca maior (ou é possível que ele jamais tenha sido racional previamente, não sabemos). O fato é que quando descobre que novos moradores ocupam seu amado ex-apartamento, ele fica tão obsessivo que se transforma em outro Javier, anos-luz distante daquele homem opaco que acompanhamos desde a primeira cena.

Chega a ser assustador observar as artimanhas articuladas mentalmente por Javier, ainda que jamais fique claro para nós qual é o seu real objetivo com tudo aquilo. Primeiro, ele invade o apartamento às escondidas, utilizando uma chave reserva, só pelo prazer de se sentir em casa novamente (inclusive utilizar seu antigo banheiro). Depois, passa a descobrir detalhes dos novos ocupantes e dá um jeito de conhecê-los, sem jamais revelar que morou ali anteriormente. Dia a dia, Javier vai se embrenhando na dinâmica da família, primeiro se envolvendo, depois convivendo e, mais tarde, criando intrigas e cometendo atos muito mais criminosos do que as inofensivas visitinhas ao apartamento vazio.

A Casa incomoda, mas não só porque seu (anti)herói se revela um indivíduo desprezível, completamente desprovido de empatia, moral e charme  -- aliás, é um detalhe interessante que o ator Javier Gutierrez tenha estatura mais baixa do que todo o restante do elenco. Esse amargor ocorre também porque o roteiro dos irmãos DavidÁlex Pastor (que também dirigem o filme) é preguiçoso e não se esforça para nos convencer de que um homem de família com ótima reputação profissional seja capaz de realizar atrocidades apenas por estar com o ego ferido. Talvez a intenção fosse essa mesmo, de nos mostrar que atos de insanidade não dependem de traumas anteriores, gatilhos certeiros e motivos plausíveis. Mas não é desse fator que depende a qualidade apenas mediana de A Casa. Como o final polêmico deixa bem claro, sempre faltará alguma coisa a Javier. E ao filme também.