Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
River's Edge

O pesadelo da adolescência

por Bruno Carmelo

Este filme japonês parte de um mote propício ao suspense: a descoberta de um esqueleto humano no meio do mato, à beira de um rio poluído. O jovem Ichiro Yamada (Ryo Yoshizawa) compartilha com duas amigas de escola, Haruna Wakakusa (Fumi Nikaido) e Kozue Yoshikawa (Sumire) o seu “tesouro”. No entanto, a promessa do thriller é suspensa: os estudantes não pretendem revelar a ossada à polícia, nem se preocupam em conhecer a identidade do morto. Aquele local torna-se símbolo de uma cumplicidade, um lugar onde vão para chorar ou passar um tempo sozinhos. Aliás, toda a paisagem ao redor é desoladora: os personagens moram em conjuntos habitacionais esmagadores, ao lado de usinas poluentes e matagais abandonados.

O cenário de River’s Edge serve para construir uma visão sombria da adolescência. Aos poucos, o roteiro baseado no mangá de Kyoko Okazaki se dedica a desenhar a personalidade de uma dezena de jovens adultos, tendo em comum a sensação de vazio, a frustração sobre a sexualidade e o medo/desejo da morte. O filme coral encontra uma maneira orgânica de debater a homossexualidade, o bullying, a bulimia, a obesidade, a prostituição, a carência afetiva, o abandono dos pais. Partindo de símbolos que só adquirem significado na cena final, a narrativa conduz o espectador através de uma galeria de pessoas infelizes, potencialmente suicidas ou assassinas, num mundo sem adultos – os professores, pais e responsáveis estão ausentes.

Sem o respaldo de instituições, visto que a família, a escola, a igreja e o trabalho são ignorados, os personagens principais testam seus limites através da proximidade com a morte. Além do esqueleto encontrado, outro é queimado, um terceiro talvez seja pescado no rio, gatos são vítimas de atos cruéis, e a própria bulimia ou a passividade diante da violência são percebidas como testes à experiência de vida. As pequenas e belas relações criadas entre os personagens manifestam-se através de um desespero silencioso. Os jovens unem-se porque enxergam no outro uma tristeza análoga à sua.

O diretor Isao Yukisada torna este mundo ainda menos acolhedor ao fechar a imagem num formato próximo do quadrado, que dificulta os respiros ou a percepção de espaços. A fotografia ressalta os cômodos vazios, a incomunicabilidade. A montagem, para além da brincadeira com a cronologia, permite a dilatação dos tempos narrativos e efetua bom uso de ícones – especialmente os fálicos. Mas o elemento que mais chama a atenção é o tratamento sonoro, destinado a acentuar o barulho dos alimentos sendo mastigados, os corpos sendo penetrados por facas ou atingindo o orgasmo. Mesmo sem revelar nudez ou sexo explícito, o filme constrói uma aparência de crueza através dos sons pegajosos, exagerados, literalmente orgânicos.

River’s Edge se conclui com inesperado otimismo, pela possibilidade de união entre os marginais. Os laços não necessariamente durarão muito, como explicita a cena final, porém fornecem algum tipo de reconforto. Esta história de corpos abandonados funciona como um filme coral de rara profundidade psicológica e ambição social, com direito a importantes inserções de humor para balancear a experiência.

Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.