Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Tudo o que Tivemos

Amar é se comprometer

por Bruno Carmelo

Este drama independente americano poderia ser descrito como um tradicional “filme de personagens”. As imagens acompanham, sem respiro, cada passo de cerca de meia dúzia de membros de uma família, reunidos em virtude da doença degenerativa da mãe. A câmera tem olhos apenas para eles: os enquadramentos limitam-se os rostos e corpos dos protagonistas, às suas movimentações dentro da casa ou pelas ruas do bairro. A abordagem pode ser considerada humanista, intimista, ainda que não deixe de soar um tanto antiquada como forma de cinema. Afinal, o espaço e o tempo se tornam meros coadjuvantes para uma intensa troca de farpas que poderia ser transposta sem grande dificuldade aos palcos do teatro.

Felizmente, para a diretora Elizabeth Chomko, o elenco é excelente. Michael Shannon contrasta seu estilo mais brusco e árido à composição sempre clássica de Hilary Swank, enquanto Taissa Farmiga irrompe como a adolescente problemática. Existe uma fusão de temperamentos e estilos de atuação muito saudável para representar uma família desconexa, em crise. Robert Forster está comovente num papel ingrato, que poderia facilmente se tornar arrogante ou rabugento, enquanto Blythe Danner tenta injetar nuances na figura estereotipada da mulher idosa perdendo a memória. (Aliás, o elenco é tão bom que chega a soar absurdo o cartaz nacional não destacar nenhum desses rostos, preferindo uma imagem impessoal de cinco pessoas de costas).

Para um drama baseado em diálogos, felizmente o texto é bem escrito, incluindo generosa dose de sarcasmo e vulgaridade. Os irmãos Bridget e Nicky se atacam sem meias palavras, e mesmo a relação com os pais passa por xingamentos e gírias capazes de tornar essas pessoas menos idealizadas, e portanto mais acessíveis. O tom agridoce exige que cada cena de humor seja alternada com outra de tragédia, e as trocas de acusações e provocações ajudam a criar a gangorra emocional necessária. Não existem vilões nem mocinhos neste embate de pessoas com opiniões diferentes: é melhor internar a mãe vítima de demência ou mantê-la em casa? Todos possuem seus argumentos válidos, destrinchados com respeito pela direção.

Em meio ao relativismo respeitoso, que ouve todos os lados sem tomar posição, o único discurso defendido com vigor se encontra na frase “amar significa assumir compromissos”, entoada duas vezes pelo patriarca. Pouco importa se você está perto ou longe dos familiares, se prefere ver sua mãe idosa num lar de repouso ou dentro da sua casa, contanto que se comprometa a acompanhá-la, a ouvi-la, a atender o telefone assim que preciso. Tudo o que Tivemos, com seu título genérico e virtudes igualmente amplas, defende certa ideia de resiliência do amor: a ideia de que é necessário sobreviver ao desgaste, às brigas, em nome dos laços familiares ou matrimoniais. Este discurso beira o conservadorismo, por sugerir que Bridget, mesmo infeliz em seu casamento, deveria permanecer ao lado do marido. No entanto, os momentos finais atenuam esta impressão através de uma guinada feminista.

A propósito, o roteiro impressiona por alterar o ritmo da narrativa no terço final. Enquanto mais da metade da história se passa em poucos dias na vida da família, a conclusão decide efetuar longos saltos temporais para mostrar o destino de cada um, num recurso que rompe o pacto naturalista ao retratar uma espécie de golpe destino, um happy end para assegurar que todos encontrarão algum tipo de satisfação futura. Este tem sido um compromisso recorrente das dramédias americanas indies: tolera-se a exposição das feridas pessoais e das mazelas sociais sem julgamento moral contanto que, na conclusão, o público receba um desfecho positivo e reconfortante.

Além das concessões narrativas, a estética de Tudo o que Tivemos decepciona pela falta de ambição. Chomko se limita à cartilha acadêmica de planos e contraplanos, composições focadas no rosto ou pacientemente aguardando os personagens comporem o enquadramento (uma imagem do sofá esperando a personagem chegar e sentar no terço exato que lhe cabe no quadro). Não há qualquer forma de risco no uso do som, dos espaços, da direção de arte, da profundidade de campo. Pode-se falar em um uso “competente”, no sentido de não haver grandes falhas, porém impessoal e pouco memorável. Quando um diretor se contenta em ilustrar o roteiro, ao invés de representá-lo por recursos de linguagem, o resultado soa aquém do potencial do cinema. Mesmo assim, pelo olhar empático às opiniões divergentes, funciona como singelo acalento em tempos de difícil discussão com pontos de vista contrários.