Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
The Post - A Guerra Secreta

Nos bastidores da notícia

por Francisco Russo

Talvez The Post - A Guerra Secreta jamais existisse se Donald Trump não fosse eleito. Afinal de contas, foi a ojeriza do atual presidente dos Estados Unidos à imprensa que fez com que Steven Spielberg encampasse este projeto, ao ponto de realizá-lo a toque de caixa para que fosse lançado ainda em 2017 - e, naturalmente, concorresse às premiações. Se a defesa escancarada da imprensa já era algo esperado, chama a atenção que o diretor foi além do intuito original e trouxe, também, algumas boas lições sobre os bastidores e as pressões decorrentes de ser jornalista. Sem, é claro, deixar de enviar sua importante mensagem sobre a liberdade de imprensa.

É interessante observar como os dois protagonistas do filme são apresentados. Meryl Streep surge hesitante como a dona do The Washington Post, um jornal local prestes a lançar ações na Bolsa de Nova York em busca de impulso financeiro. Seu primeiro encontro com Tom Hanks é revelador: ele lendo o jornal, em um local público, conversando com ela sem sequer olhá-la. Por mais que seja nítido o clima amigável e de confiança entre eles, tal detalhe diz muito sobre o que acontecerá a seguir.

Entretanto, antes mesmo da tal "guerra secreta" eclodir, o roteiro de Liz Hannah e Josh Singer com habilidade compõe um Hanks dúbio, no limite da ética, usando o posto de editor-chefe do The Post para espionar o que a concorrência produz - e, se possível, obter o furo alheio. Há no primeiro ato do filme um punhado de diálogos geniais, que tão bem expõem que imprensa não é sinônimo de santidade ao tocar em temas espinhosos do meio, como possíveis favorecimentos a pessoas próximas quando algo negativo lhes acontece. Spielberg, no fim das contas, está convidando o público para o mundo real.

Curiosamente, é a partir do momento em que os papéis do Pentágono enfim chegam ao The Washington Post que o filme paulatinamente promove uma inversão entre os protagonistas: Hanks abandona a riqueza dúbia existente até então e assume um personagem mais unidimensional, em sua defesa incontrolável pelo direito de publicação. Streep, por outro lado, mergulha em um potente arco pessoal envolvendo o preconceito de gênero - sua fala explicando a normalidade do status quo imposto é de um primor exuberante, com ecos nos dias atuais. Como pano de fundo, a pluralidade típica de uma empresa colidindo com os interesses tão particulares e nobres do Jornalismo.

É neste turbilhão que Spielberg demonstra seu melhor, conduzindo personagens em momentos diferentes rumo a dois clímax de fundo distinto acerca do mesmo tema. Ainda assim, o premiado diretor de A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan comete alguns equívocos, até mesmo ingênuos. Um deles está no início claudicante e exageradamente didático, acerca de como os documentos foram retirados do Pentágono - a insólita pausa reticente de Matthew Rhys diante dos guardas é de uma artificialidade impressionante! Outro deslize está na desnecessária vilanização da promotoria, na tola cena da ajudante sendo criticada no tribunal. Diante de tudo que estava em jogo, tão bem explicitado até então, por que usar um artifício tão batido para gerar uma antipatia que já existia?

Por momentos como estes, The Post possui alguns excessos que poderiam ser limados em uma edição mais rigorosa, que talvez não pôde ser feita justamente pela pressa em sua produção. Compreensível, mas não justificável - ainda mais para um diretor do porte de Spielberg. Ainda assim, seria leviano não reconhecer o esforço conduzido não só em tirar do papel uma produção como esta em tão pouco tempo, como também em retratar uma imprensa real, suscetível a pressões além da busca pela notícia, sem jamais deixar de lado a importante mensagem a ser transmitida: "o único jeito de defender a liberdade de publicação é publicando".

Com Meryl Streep em boa forma em uma personagem que é maior que sua atuação e Hanks como um competente parceiro, The Post é um filme importante não só na era Trump, mas para melhor entender a complexidade que é ser jornalista. Um belo filme, que deveria ser exibido em toda e qualquer faculdade de Jornalismo.