Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Um Ato de Esperança

Casos de família

por Francisco Russo

Existem pessoas que parecem atrair todo tipo de problema, e muitas vezes gostam disso. Este é o caso de Fiona Maye, poderosa (e respeitada) juíza da corte britânica que se especializou em resolver pautas-bomba, aquelas onde é preciso trazer o olhar frio da lei a questões polêmicas e/ou complexas, envolvendo os mais diversos enfoques. É o que acontece tanto no caso que abre este longa-metragem, com dois bebês siameses em risco iminente de morte tanto se algo for feito quanto se nada acontecer, ou mesmo no caso que norteia Um Ato de Esperança: a história de um adolescente que se recusa a ser medicado devido a questões religiosas.

Para a construção desta história, é essencial que a personagem principal seja uma representante da Justiça, pelo impacto ideológico que o posto traz. Fiona se esforça em ouvir todos os lados envolvidos sem abrir mão da rigidez, mantendo absoluto controle sobre seu tribunal. A escolha de Emma Thompson para o papel fortalece tal postura: a veterana atriz tem um desempenho firme, associado ao olhar sempre interessado no que o outro tem a dizer. Trata-se da conjunção perfeita entre humanidade e lógica na aplicação da lei, ou do intuito da lei, tão sonhada para todo e qualquer juiz. Pena que o filme dirigido por Richard Eyre prefira fugir deste enfoque para explorar mais a vida pessoal de sua protagonista, bem menos interessante do que os conflitos morais e éticos que enfrenta dia após dia.

Para tanto, Eyre dá ao filme ares de dramalhão ao apresentar um canhestro conflito matrimonial, onde um inquieto Stanley Tucci brada - sempre de forma polida - o desejo de ter uma amante. Os encontros entre esposos são de uma (intencional) assepsia impressionante, trazendo a toda e qualquer troca de diálogos uma artificialidade que não condiz com a situação. Soma-se a isso a condução do caso principal após o julgamento, com uma obsessão do réu que beira o risível tanto em relação à postura quanto aos possíveis desenlaces da narrativa. Essenciais na trama até então, os pais do adolescente simplesmente desaparecem - assim como a tão firme crença evapora, como num passe de mágica.

Em meio a tantos problemas de condução da narrativa, resta ao longa-metragem o interessante embate que levanta, quando um jovem se recusa a ser medicado contra leucemia por ser Testemunha de Jeová e, como tal, rejeitar se submeter a transfusões de sangue. O conflito entre a preservação da vida e o respeito à crença religiosa de cada um, independente das possíveis consequências, é um assunto explosivo que pode ser amplamente investigado, em busca de defensores e detratores. Eyre até faz isso, mas a partir de depoimentos ora estereotipados - a crença ingênua dos pais, capitaneada por um exagerado Ben Chaplin - ora sem a necessária fundamentação - note que não há necessidade de comprovação dos números apresentados pelo médico. Ou seja, há um desleixo acerca dos argumentos que, a bem da verdade, permeia todo o longa-metragem.

Esteticamente, Um Ato de Esperança segue a proposta sóbria de sua personagem principal, apostando firme no cinza e em cores neutras, tanto na fotografia quanto na direção de arte. Por mais que até seja compreensível a intenção em provocar uma dualidade em torno da juíza, com a vida matrimonial em frangalhos e a profissional sendo constantemente desafiada, tal dicotomia jamais é desenvolvida a contento, causando até mesmo risos involuntários devido à trilha sonora maniqueísta ou mesmo por cenas pífias, como o dueto em pleno hospital. Em meio a tantos problemas, resta Emma Thompson emprestando o talento a uma personagem até interessante, mas cujo entorno é bem pouco convincente.