Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
22 Milhas

Counter-strike

por João Vítor Figueira

Mark Wahlberg está com raiva — muita, muita raiva — e 22 Milhas vai gritar isso na sua cara até que você se convença ou seja vencido pelo cansaço. O longa-metragem é o mais recente fruto da parceria entre o ator e o cineasta Peter Berg, que anteriormente colaboraram em filmes baseados em fatos reais como O Grande Herói (2013), O Dia do Atentado (2016) e Horizonte Profundo - Desastre no Golfo (2016). Feitas todas as ressalvas aos filmes anteriores e sabendo, obviamente, que tramas inspiradas em eventos reais estão sujeitas a todo tipo de manipulação da suposta realidade, o fato é que é uma ironia que uma das coisas que mais faz falta em 22 Milhas é a verossimilhança. O protagonista vivido por Whalberg é menos um personagem em si do que um vetor de cólera.

A trama acompanha a ação de um esquadrão "fantasma" da elite do militarismo americano que é acionado quando a diplomacia e a ação do exército tradicional estariam obsoletos. Glorificando os excessos e abusos do poder sem reflexões mais profundas em contrapartida, o filme é um thriller de ação que troca suspense por um tensão plana e a ação pelo caos sem propósito.

Wahlberg interpreta um agente chamado James Silva, um sujeito que ferve de ódio e que tem em seu passado uma série de problemas para administrar emoções e prodígios militares muito brevemente apresentados em determinada sequência do filme. Ele lidera uma equipe formada por Alice, interpretada por Lauren Cohan, de The Walking Dead, que é forte e indômita até a página 2. Por preguiça ou puro machismo do roteiro, a personagem é colocada em um dilema clichê entre continuar na equipe ou voltar para casa para cuidar da filha. Além disso, por mais habilidosa que ela seja, a personagem precisa ser salva por colegas homens em determinadas cenas, como se fosse incapaz de resolver seus combates sozinha. Ronda Rousey, estrela do MMA, também integra o time de elite. A presença da atriz-atleta, entretanto, decepciona por dar chance a Ronda de mostrar suas habilidades no combate mano a mano.

A equipe tem a missão de, em um país fictício do sudeste asiático, encontrar o paradeiro de uma carga de césio que pode ser utilizada por russos (sempre eles) para produzir uma bomba atômica pior do que as lançadas pelos EUA em Hiroshima e Nagasaki (o que é explicado aos berros por Silva). Neste contexto surge o misterioso policial tailandês Li Noor, interpretado pelo ator, lutador, coreógrafo de lutas e dublê Iko Uwais. Ele se entrega na embaixada americana e afirma saber ter o segredo sobre o paradeiro do césio guardado em um HD encriptado. Se conseguir asilo nos Estados Unidos, Noor revela a senha do dispositivo.

A presença de Uwais no projeto é o principal destaque desta produção. Talvez por seu personagem trazer certa ambiguidade que falta aos demais, o contraste de sua presença com a testosterona em ebulição de Wahlberg é um respiro para filme. Além disso, é Uwais que protagoniza a melhor cena do projeto em uma cena de ação incrível na qual, Noor, internado e algemado, enfrenta duas pessoas enviadas para matá-lo em um centro médico.

Sem conseguir investir de forma substancial em um comentário político mais sofisticado, o filme sugere cinismo com figuras como as dos presidentes Donald Trump e Barack Obama, mas não desenvolve uma ideia mais coesa sobre sua mensagem. No final, a impressão é que 22 Milhas é mais um filme em que os americanos têm o direito de cruzar o mundo para matar pessoas (mal se sabe quem são os inimigos) e salvar o dia. Neste sentido, há ainda uma sequência que flerta com o melodrama ao mostrar Alice usando seu "instinto protetor" para proteger uma criança asiática indefesa.

Embora algumas cenas de ação sejam eficientes, como a cena de abertura, 22 Milhas é prejudicado pela montagem fragmentada com infinitos takes de um segundo ou menos que fazem os videoclipes do VH1 parecerem curtas-metragens contemplativos. A técnica de edição não é um problema por si só, mas a execução, neste projeto, fez com que as cenas de ação se tornassem um caos gritante. Peter Berg mira na agilidade e acerta no desnorteamento.

Mas o maior problema é mesmo a falta de desenvolvimento dos personagens, especialmente do protagonista, que deveria nortear o enredo. O filme claramente "pertence" à Wahlberg, na medida em Silva é designado a "roubar a cena" a cada momento. Para isso, o agente está sempre distribuindo broncas, não apresenta qualquer profundidade emocional e se torna desinteressante. Para piorar, Wahlberg parece se divertir gritando torrentes de palavras como se quisesse superar o Eminem em algum recorde de sílabas ditas por minuto.