Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Lamento

Novos sentidos para o terror

por Bruno Carmelo

Um pequeno vilarejo da Coreia do Sul torna-se palco de uma série de assassinatos violentos. As cenas do crime são caóticas, sangrentas, incluindo objetos ritualísticos de magia negra. Os criminosos, apáticos como zumbis, apresentam erupções na pele e os olhos vermelhos. É evidente que estas pessoas estão sob efeito de alguma força sobrenatural, mas o policial Jong-Goo (Kwak Do-Won) não consegue chegar a esta conclusão.

O Lamento poderia ter uma duração mais curta e uma narrativa muito mais simples se o protagonista não fosse um péssimo policial. O covarde Jong-Goo descarta as evidências mais claras, gritando de medo e caindo no chão como o pior dos novatos. O diretor Na Hong-jin, conhecido pelos tensos e excelentes O Caçador e The Yellow Sea mistura ao terror um humor inesperado, vindo dos trejeitos de um ator com vocação para o humor físico. Quem pensaria que um trapalhão seria incumbido de combater fantasmas e zumbis...

O tom da produção deve constituir a maior fonte de estranhamento ao espectador. Praticamente todos os tipos de terror estão misturados: zumbis, fantasmas, possessões, demônios, xamãs e muitos outros, além de um filme policial, um drama doméstico e a já citada comédia pastelão. O espectador fica a postos, por não saber o que esperar de cada cena. Quando uma mulher misteriosa (Chun Woo-Hee) começa a atirar pedras no policial, não se sabe se esta é apenas uma pessoa louca do vilarejo, ou uma poderosa entidade capaz de matá-lo. Todos os elementos podem ser sérios ou banais.

Assim, o ridículo se aproxima do grotesco, e o humor do terror. Ambos são vistos como elementos de catarse e de distanciamento ou, em termos de mise en scène, são ferramentas para a fuga da realidade. É curioso como uma história com tantos elementos conhecidos pode soar tão inovadora, ou pelo menos diferente, por conta do uso autofágico dos gêneros. Uma cena de exorcismo, por exemplo, incomoda pelos ruídos altos e gritos simultâneos de três personagens. A duração e a intensidade são tão excessivas que beiram a paródia, ao mesmo tempo em que mostram atos de uma crueldade insuportável. Alguns espectadores dentro da sala riam, enquanto outros pareciam se agarrar às suas poltronas.

É verdade que o emaranhado de personagens e referências gera um roteiro bagunçado. Os passos são claramente explicados ao narrador, mas o significado das cenas está disperso na narrativa. Mesmo após o final, que dedica mais de 30 minutos para explicar as reviravoltas, ainda se deixa a porta aberta a interpretações diversas. Talvez o maior mérito de O Lamento seja combinar os prazeres menos sofisticados do cinema de gênero (sangue, monstros) com o ritmo contemplativo e a precisão do cinema “de arte”. As vísceras são filmadas com beleza, enquanto as paisagens são retratadas como um cenário horrível.