Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
O Predador

O preço da ousadia

por Francisco Russo

Hollywood sempre precisa de mentes criativas, seja para criar novos filmes ou reacender franquias desgastadas. Por mais que não seja propriamente um novato, vide os roteiros que escreveu para a série Máquina Mortífera ainda nos anos 1980, Shane Black é daqueles diretores que vão além do burocrático, muito graças ao seu DNA sarcástico. Com o novo O Predador em mãos, ele mergulha fundo em sua marca registrada ao promover uma subversão total do que significa a franquia do temido alienigena. Para o bem e para o mal.

A cena inicial já surpreende ao remeter à outra saga de sucesso, Star Wars: uma rápida movimentação de câmera no espaço logo busca a perseguição desenfreada de duas naves espaciais, que cruzam portais de teletransporte até chegarem à Terra. O duelo entre predadores demonstra que nem tudo está em paz na civilização alienígena, e a seguida captura de um deles revela que os humanos já conheciam sua existência. Porta aberta para novidades na franquia, como o uso de artefatos extra-terrestres por humanos, justificativas sobre a vinda dos predadores e até mesmo os inusitados predadogs - sim, isso mesmo que você leu, este filme traz não apenas um, mas dois cachorros-predador!

Mais do que ampliar a (rala) mitologia em torno dos predadores, Shane Black está interessado mesmo é em tirar um sarro deste tipo de filme. Fugindo do conceito de "filme de sobrevivência", mas sem deixá-lo totalmente de lado, o diretor/roteirista constrói uma ambientação onde absolutamente tudo soa ora exagerado, ora zoeiro. Do tom blasé do herói interpretado por Boyd Holbrook aos diálogos provocadores de Sterling K. Brown, o filme brinca de forma bem-humorada ao apresentar um falso tom sério, como se risse de si mesmo nas entrelinhas. É nesta linha tênue entre o sarcasmo e a esculhambação que O Predador oferece seu melhor, entregando momentos divertidíssimos como o questionamento do nome dado ao personagem-título ou mesmo quando reposiciona elementos da franquia em situações inusitadas, tipo o capacete do Predador usado como fantasia de Halloween.

Soma-se a este posicionamento narrativo o uso de arquétipos até certo ponto manjados, mas inéditos nesta franquia. É o caso do personagem de Jacob Tremblay, o típico garoto sabe-tudo que torna-se peça-chave na história, ou ainda Olivia Munn, como uma cientista obrigada a se embrenhar em uma caçada alienígena sem ter o menor traquejo para tanto. Em ambos os casos Black apela descaradamente ao clichê, seja na construção dos personagens ou mesmo em situações por eles vivenciadas - é o caso da sequência da descontaminação de Munn ao lado do Predador, clara alusão ao sexismo existente neste tipo de filme nos anos 1980. Isso sem falar na ótima ideia de usar ex-soldados com problemas psicológicos como heróis, abrindo espaço para a fina ironia de ter um personagem fanático pela Bíblia, com visual a la Jesus Cristo, que não pensa duas vezes antes de empunhar uma arma e usá-la.

Quando se equilibra nesta corda bamba entre o explícito e o que deseja falar como pano de fundo, Shane Black brilha. Seja ao ironizar o politicamente correto ou ao abordar com habilidade o subtexto político, em uma oportuna analogia sobre quem seria o verdadeiro predador, ao igualar o alienígena a um atirador de elite que mata a mando do governo. O problema é que Black não sustenta tal proposta por todo o filme, aos poucos abandonando o sarcasmo em nome da esculhambação total. É quando o filme derrapa de vez.

A existência dos predadogs é o marco maior de tal transformação, mas não o único. A metade final de O Predador deixa de lado o subtexto crítico em nome da ação desenfreada, associada a rombos de roteiro cada vez maiores para justificar a presença dos extra-terrestres. Se os puristas dos primeiros filmes já tinham motivo para reclamar pela mudança de tom em relação ao consagrado formato do "filme de sobrevivência", a reta final entrega mais um punhado de bons argumentos.

Apesar disto, Black merece o reconhecimento pela ousadia ao subverter uma franquia já cansada de forma não só a ampliá-la, mas também reinventá-la. Mais do que simplesmente entregar o blockbuster pedido, o diretor/roteirista aproveitou a oportunidade para ir além e mandar algumas mensagens, seja sobre a Hollywood atual ou mesmo de cunho político. Com um elenco sem grandes destaques que embarca bem na proposta (rasa) de seus personagens, o filme diverte justamente pela sabedoria em equilibrar autoironia e sarcasmo em um ambiente cinematográfico já tão saturado. Também por isso, é provável que jamais volte a dirigir uma grande franquia. Afinal de contas, que outro estúdio aceitaria de bom grado entregar uma de suas marcas consagradas a um diretor disposto a ironizá-las de tal forma?