Críticas AdoroCinema
0,5
Horrível
muDanças

Novela carioca

por Bruno Carmelo

É difícil falar sobre um filme como muDanças. Evidentemente, esta é uma produção minúscula, feita com poucos recursos e pouco apoio institucional. Por isso mesmo, surge a vontade de apoiar o projeto, aplaudir o fato de ele ganhar as telas grandes, ao lado de outros filmes muito maiores. Afinal, porque o circuito comercial e o circuito de festivais estariam restritos às grandes produções? Todas as obras deveriam ter a mesma oportunidade de ser vistas, certo?

Quando se assiste ao filme, no entanto, fica difícil sustentar a boa vontade democrática. A produção é muito ruim - não pela falta de orçamento, mas pela ausência de reflexão sobre estas condições. O diretor Emer Lavinni não busca superar as dificuldades com o uso criativo do estilo e do conteúdo. Pelo contrário, ele tenta emular os grandes romances, simplesmente ignorando o fato de não ter recursos nem para tal. O resultado é constrangedor.

A trama gira em torno do jovem Yuri (Oswaldo Allvim), que faz uma viagem ao Rio de Janeiro. No instante em que põe os pés na praia, avista o musculoso Eduardo e nasce um flerte entre os dois. Mas Edu é namorado da prima de Yuri, o que torna impossível o romance. O filme ganha ares de farsa, de epopeia romântica, construindo mensagens de que “o amor sempre vence”, “tudo é possível quando você acredita” e afins. Tudo isso embalado em imagens turísticas do Rio de Janeiro.

Lavinni não tem receio de repetir os clichês mais gastos do cinema e das telenovelas: amor à primeira vista, personagens que se trombam, deixam cair papéis no chão e se beijam quando vão recolhê-los, apaixonados que passam a noite em claro, declarações de amor vergonhosas em público. Este ideal de amor romântico já foi abandonado até pelos tradicionais contos infantis da Disney, mas muDanças o defende como se fosse novidade. A moral é tão simplória e as atitudes dos personagens são tão idealizadas que fica difícil acreditar neles como pessoas de carne e osso, inseridas na sociedade dos dias de hoje.

Tecnicamente, a produção não possui o cuidado necessário com o uso da linguagem cinematográfica. A direção de fotografia é inexistente, a captação de som direto e a mixagem são amadoras. Para suprir qualquer momento de silêncio, enfiam-se canções pop em todas as cenas contemplativas. Os atores principais são fraquíssimos. A única atriz dotada de recursos dramáticos no elenco é Paula Frascari, roubando a cena nos momentos em que aparece.

Quando se pensa que tudo está perdido, a situação piora: o roteiro consegue ser moralista, culpando a mãe de Yuri por uma traição (em referência à cena inicial), e criticando o próprio Yuri por querer experimentar o sexo sem amor (ocasião em que é drogado e assaltado). Ou seja, muDanças ainda pune todos aqueles que não vivem em um conto de fadas. A propósito, o que dizer desse título? Porque o D maiúsculo, se não há referência à dança? Seria a leitura de “dança” como uma metáfora? E o que pensar a respeito das variantes do título: #muDanças e MuDanças.. . (isso mesmo, com um espaço entre as reticências)?

Se queremos apoiar filmes pequenos e de baixo orçamento, que sejam então como o excepcional Pinta, que busca quebrar os códigos tradicionais e propor uma reflexão sobre o gênero. muDanças apenas comprova que a tentativa de copiar uma grande produção com poucos recursos está fadada às inevitáveis comparações com projetos melhores.

Filme visto no Rio Festival Gay de Cinema 2014.