Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Boneco de Neve

Perdido no frio

por Francisco Russo

Aparentemente, era uma aposta certeira: um livro de sucesso, de um autor consagrado, com uma trama investigativa com direito a toques sombrios no melhor estilo Seven, feito por um diretor em ascensão e protagonizada por um astro respeitado. Entretanto, mesmo as receitas de bolo às vezes desandam. Este é o caso de Boneco de Neve, adaptação do livro homônimo escrito por Jo Nesbø dirigida por Tomas Alfredson (O Espião Que Sabia Demais, Deixe Ela Entrar) e estrelada por Michael Fassbender.

Conceitualmente, Boneco de Neve até traz ideias interessantes. Inteiramente rodado na Noruega, o longa transmite aos relacionamentos o clima gélido do local, de forma que todos os personagens sejam um tanto quanto distantes, por mais que guardem segredos e/ou emoções reprimidas. Ao mesmo tempo em que tal ideia é um retrato do povo nórdico, como tão bem ilustra o cineasta Aki Kaurismäki em seus filmes, é também uma conveniente representação do quanto todos os personagens estão descontentes: uns devido à bebida, outros por questões amorosas mal resolvidas, mais alguns por traumas do passado. Tudo pontuado pelas belas paisagens gélidas, retratadas pelo diretor de fotografia Dion Beebe. Entretanto, tal embalagem não consegue compensar os problemas narrativos apresentados já na meia hora inicial, que se agravam à medida que o filme avança.

Por mais que tenha em mãos uma boa história de mistério envolvendo um serial killer macabro, Alfredson demonstra uma impressionante incapacidade em desenvolvê-la de forma a construir um envolvimento crescente. Repleto de quebras que logo se tornam breves anticlímax, o filme apresenta extrema dificuldade não só em desenvolver seus personagens principais como, também, em esmiuçar a própria trama investigativa. Com isso, o espectador não consegue se afeiçoar nem ao detetive de Fassbender nem à agente novata interpretada por Rebecca Ferguson, sendo que ambos sequer formam uma dupla coesa como investigadores. Cada um está mais preocupado em lidar com seus fantasmas do passado, deixando a investigação em si em segundo plano até que, subitamente, tudo se resolve num piscar de olhos.

Soma-se a isso bizarrices como um Val Kilmer estranhíssimo, cuja fala quase incompreensível deixa em dúvida se foi uma opção para compor o personagem ou mesmo limitações físicas - em ambos os casos, injustificável e sem função prática na trama. Mesmo seu personagem, a bem da verdade, não é necessário para a história apresentada no filme - não se pode dizer o mesmo em relação ao livro, onde com certeza foi melhor desenvolvido.

Recorrendo a clichês básicos do suspense, que incluem corpos despedaçados a esmo como meio de provocar algum choque visual, Boneco de Neve é um filme bastante equivocado na condução da narrativa, o que inclui não só a forma como o mistério é retratado como, também, a edição - que, surpreendentemente, cabe à (quase) sempre competente Thelma Schoonmaker, de tantos filmes ao lado do parceiro Martin Scorsese, produtor deste longa-metragem. Sem ritmo e com lacunas imensas no roteiro e na edição, o filme decepciona por aproveitar tão mal os bons elementos que tinha em mãos.