Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Mago das Mentiras

Dinheiro é uma questão de moral

por Bruno Carmelo

A história de Bernard Madoff, investidor privado responsável por uma fraude de US$65 bilhões, constitui um dos maiores escândalos da história das finanças norte-americanas. Foram quase duas décadas criando falsas aplicações em fundos inexistentes, gerando uma fortuna bilionária para ele mesmo e sua família. Mas como Madoff teria desenvolvido um esquema tão complexo sem a ajuda de ninguém? Como seria possível os filhos Mark e Andrew, que trabalhavam com o pai há anos, ignorarem as práticas criminosas?

O ponto de partida de O Mago das Mentiras se presta ao espetáculo da embriaguez do poder. O Madoff concebido pelo diretor Barry Levinson poderia ser um sujeito cínico e hedonista como Jordan Belfort de O Lobo de Wall Street, inescrupuloso como a lobista Elizabeth Sloane de Armas na Mesa, carismático como o empreendedor Ray Croc de Fome de Poder. No entanto, o diretor prefere uma abordagem contida, singela. Triste, até. Ao invés de ilustrar o império de um gênio do crime, representa Madoff como um sujeito alheio ao mundo, sem empatia, executando o esquema Ponzi numa espécie de automatismo desafetado.

Parte considerável do sucesso desta ficção se deve a Robert De Niro. No papel principal, o ator evita o exagero, os gestos explícitos. Ele cria uma figura multifacetada: Madoff pede desculpas por seus crimes, mas parece não sentir remorso. Ele afirma ter feito tudo o que pôde para proteger os filhos, porém não consegue responder a perguntas simples referentes a atitudes que, sem dúvida, prejudicaram a vida de Mark e Andrew. O investidor soa ora melancólico, ora negligente de propósito, oscilando entre a raiva e a apatia. Dentro de sua empresa, Madoff aparenta ser um chefe igual a qualquer outro, e talvez essa banalidade do crime constitua o elemento mais subversivo da narrativa.

Assim, Levinson evita o maniqueísmo: o protagonista não se torna um vilão frio, nem um herói da meritocracia. Ele é um homem que conseguiu se infiltrar nas pequenas brechas, contando com a conivência de dezenas de pessoas dispostas a fechar os olhos aos “pequenos erros” de um homem poderoso. Os filhos ignoraram sinais evidentes de fraudes, assim como a esposa, o FBI e os próprios investidores. O Mago das Mentiras traduz o momento em que o capitalismo se reproduz por conta própria: o dinheiro traz mais dinheiro, a confiança gera mais confiança e a trajetória crescente só pode se romper através de uma catástrofe de grandes proporções.

Partindo do fato mais conhecido pelos noticiários – a prisão e a confissão dos crimes – o projeto dá um passo atrás e analisa os fatores humanos por trás do esquema Ponzi. O roteiro foge aos termos técnicos da finança, enquanto a estética evita as maletas de dinheiro, as manipulações informáticas, o suspense das ações que podem dar errado. Este drama crepuscular é focado essencialmente nos bastidores. A maioria das cenas se passa em pequenos escritórios, nas salas de estar, na cozinha da casa. A pergunta efetuada pelo filme é menos “Como ele pôde fazer isso?” do que “De que maneira esses atos impactam a vida de Madoff e das pessoas ao redor?”.

Em determinados momentos, o foco na vida íntima ameaça transformar O Mago das Mentiras em uma telenovela. O delírio do protagonista em sua casa funciona bem para a construção do papel da mídia, enquanto o jantar com a neta interessada em finanças soa exagerado. Os momentos com Robert De Niro são muito mais fortes do que o drama lacrimoso envolvendo os dois filhos, ou mesmo os conflitos da dona de casa (Michelle Pfeiffer) que jamais questionou a origem dos milhões de dólares em sua conta bancária.

O resultado é um projeto muito mais complexo em sua investigação humana do que se esperaria de um telefilme médio. Enquanto os demais projetos sobre o tema (os já citados O Lobo de Wall Street, Armas na Mesa etc.) foram acusados de conivência com seus personagens golpistas, neste caso a distância de Levinson em relação a Madoff é evidente. Não se enxerga o mundo pelos olhos do protagonista: ele é visto de fora, de longe, conservando muitos mistérios ao público após o final da projeção. O mais importante desta jornada não é a revelação de uma suposta verdade, e sim o entendimento da estrutura que permite a sustentação de figuras como Madoff.

“Eles precisavam de um bode expiatório”, reclama o detento a uma jornalista. A frase soa como isenção de responsabilidade, mas não deixa de transmitir uma ideia interessante: o investidor, que levou uma vid de privilégios graças às falhas de um sistema inteiro, é transformado em vilão autônomo pela mídia sensacionalista. Entretanto, com seus crimes responsáveis pela falência de milhares de pessoas, Madoff reproduziu práticas que muitos outros sonhariam, e ainda sonham, em colocar em prática caso a possibilidade se apresente.