Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
De Volta para Casa

Traumas coletivos

por Bruno Carmelo

O início do filme afirma que este é um caso puramente fictício, mas a atriz principal, Agathe Bonitzer, admite que a história é inspirada do caso Natascha Kampusch, a garota austríaca sequestrada aos dez anos de idade, e mantida durante mais de oito anos em um porão. O ponto de partida deste filme é exatamente o mesmo. Além de imaginar como era a vida de sequestrador e vítima, De Volta Para Casa faz uma pergunta essencial: o que ocorre depois do trauma?

O diretor Frédéric Videau evita o imaginário típico sobre a violência infantil. Gaëlle (Bonitzer) não é uma pobre vítima, e sim uma garrota agressiva e impulsiva, que aprendeu ao longo dos anos a lidar com Vincent, seu sequestrador (Reda Kateb), oscilando entre manipulação e submissão, amizade e ódio. Por ter passado sua puberdade e adolescência sem contato com outros jovens, Gaëlle alterna momentos de grande infantilidade e acessos súbitos de maturidade.

A garota mantém estes traços quando é liberada, subitamente, por Vincent. É magnífica a primeira cena em que ela é confrontada a uma psicóloga (a excelente Hélène Fillières). A câmera foca-se no rosto de Gaëlle, que provoca e agride a profissional, testando os limites deste novo mundo externo e reproduzindo os jogos que mantinha com seu agressor. Este momento representa bem a estratégia da direção, que consiste em deixar aos atores a responsabilidade de construir a ambiguidade da trama.

Felizmente, as atuações são impressionantes. É raro ver um elenco tão impecável quanto este, onde todos são muito bem dirigidos em seus papéis. Bonitzer consegue transitar entre todos os tipos de emoção com fluidez, além de dar grande intensidade a cada palavra que pronuncia. Kateb, que já foi visto em O Profeta e Qu'un Seul Tienne et le Autres Suivront, prova ser um dos atores franceses mais talentosos de sua geração, conferindo grande afeto a este triste e perturbado sequestrador. Os pais de Gaëlle, interpretados por Noémie Lvovsky e Jacques Bonnaffé, trocam o choro pelo desconforto, o grito pelo silêncio.

Ironicamente, De Volta Para Casa é repleto de cenas agressivas, mas quase nenhuma delas se passa dentro do cativeiro. A trama guarda a sua amargura para os momentos de liberação. Gaëlle não pode ser vista na rua, com medo de chamar atenção da imprensa, então fica presa em casa ou em uma instituição psiquiátrica. Seus pais se separaram, perderam o contato um com o outro, e vivem presos ao passado. Mesmo os amigos da época da escola não conseguem olhar Gaëlle nos olhos. Ela se tornou um animal selvagem, em uma sociedade que não está pronta para lidar com suas vítimas.

O roteiro faz um ótimo trabalho ao atacar a imagem social do trauma, povoada de maus tratos, estupros e humilhações. Já as cenas de cativeiro, mostradas em flashbacks realistas, servem acima de tudo a humanizar a figura de Vincent. O grande mérito desta história é não explicar as motivações (Por que Gaëlle foi sequestrada? E por que foi liberada oito anos depois?), limitando-se a observar as manifestações de cada um. Esta é uma boa forma de respeitar a complexidade do tema, sem julgá-lo. O espectador, paralelamente, não é convidado a torcer por ninguém, a condenar ninguém. Não existe voyeurismo no olhar da direção.

Este drama surpreende justamente pela ausência de catarse em um tema tão chocante, tão propenso aos acessos de ira ou tristeza. Sua conclusão, alegórica e bela, contém um otimismo amargo, deixando o futuro de sua protagonista suspenso. De Volta Para Casa olha com grande ternura para todos os seres humanos em tela, sequestrados ou sequestradores, filhos ou pais. O diretor parece ter um enorme carinho por cada personagem, respeitando a complexidade de cada um.